Abertura ao comércio: o que sabemos?
Nesta coluna Ponto de Vista, farei uma resenha da literatura recente da associação entre desempenho econômico e comércio internacional. Após a aprovação da reforma tributária, o gravame muito elevado sobre a indústria de transformação deve cair. Além de haver uma distribuição quantitativa mais justa do gravame tributário sobre esse setor, principalmente em relação aos serviços, a queda do custo de conformidade e dos litígios abrirá espaço para que a sociedade negocie com a indústria de transformação uma abertura mais intensa da economia brasileira. É importante revisarmos o que sabemos sobre o tema.
Frankel e Romer (1999) documentaram que o comércio internacional afeta o PIB per capita com elasticidade 2. Isto é, se o comércio, medido pela corrente de comércio como proporção da economia, cresce 1%, o PIB per capita cresce 2%. É um efeito gigantesco.
O resultado foi obtido por meio de uma relação da renda per capita com a participação do comércio no PIB, ambos em 1985. Para separar o comércio que naturalmente existiria (e existe) em função da geografia, o trabalho construiu uma medida dos impactos de variáveis puramente exógenas no comércio. A variável empregada foi a distância entre cada economia e todos os seus parceiros comerciais. Adicionalmente, considera-se o tamanho da economia, dada pela população e pela área do país. Economias grandes naturalmente são relativamente mais fechadas.
Esse tipo de variável é chamado de variável instrumental. A diferença entre o comércio explicado por essa variável e o comércio que efetivamente ocorreu pode ser atribuída às políticas comerciais – tarifárias e não tarifárias – que interferem no comércio.
Ou seja, o exercício de Frankel e Romer documenta que há uma relação entre a parcela do comércio que não é explicada por variáveis geográficas, isto é, que seria fruto de uma política de estímulo (ou desestímulo) ao comércio, e o PIB per capita.
O instrumento em Frankel e Romer foi criticado por não controlar por outros fatores que determinam a renda per capita. Esses outros fatores podem ser correlacionados com o instrumento. Há um viés de omissão de variáveis. Por exemplo, Rodriguez e Rodrik (2000) mostram que a inclusão da distância à linha do equador na regressão original reduz o coeficiente de 2 para 0,34. Isto é, países próximos ao equador comerciam menos e países próximos ao equador são mais pobres. Será que não há uma outra variável que se correlaciona com ambas?
Acemoglu, Robinson e Johnson (2001) documentam que as colônias próximas do equador desenvolveram instituições extrativistas, que conduzem à baixa produtividade do trabalho. É razoável imaginar que economias com instituições piores comercializarão menos com outros países e também serão menos produtivas. O exercício de Frankel e Romer não controla bem para esses fatores.
De maneira geral, dado que há somente uma observação para cada país – a relação foi estimada para 1985 –, todo fator específico ao país associado com a história e o desenvolvimento institucional não será considerado na regressão, e, portanto, estará no erro da regressão. Se o instrumento geográfico for correlacionado com o fator específico de cada país, o instrumento não será válido.
Feyer (2021) se beneficia de um evento natural totalmente exógeno – o fechamento do canal de Suez em função da Guerra dos Seis Dias em 5 de junho de 1967 e a reabertura em 5 de junho de 1975. O evento foi não esperado e alterou a distância entre os países. Assim, ele tem uma variável da distância geográfica, um instrumento, antes do fechamento do canal e a após a abertura – o mesmo de Frankel e Romer – e outro instrumento nos oito anos em que o canal ficou fechado. Há agora três períodos. Podem rodar a mesma regressão de Frankel e Romer para três períodos. Conseguem, portanto, incorporar na equação de cada país uma constante associada a esse país, que representa o fator específico do país. Isto é, todos os fatos que afetam o desenvolvimento de um país, especificamente associados à história do país, serão captados pela constante de cada país. O coeficiente de Frankel e Romer reduz-se de 2 para o intercalo de 0,5 a 0,3.
Em outro trabalho, Feyrer (2019) constrói outro instrumento geográfico. Se beneficia do aumento do comércio por avião que ocorreu dos anos 1950 até 2000. Nessas cinco décadas, o custo do comércio por avião reduziu-se dez vezes. O truque é notar que a distância por transporte de avião não é necessariamente a mesma da distância por navio. O ar permite rotas que o mar não permite. Assim, conforme o custo do comércio aéreo se reduz, a distância média entre dois países – dada por uma média ponderada entre a distância marítima e a distância aérea, em que os pesos são decrescentes no tempo para o transporte por navio e crescentes para o transporte aéreo – se altera. Assim, é possível construir um painel quinquenal com PIB per capita e participação do comércio no PIB. E a participação do comércio no PIB empregada na estimação é a parcela do comércio em cada quinquênio não explicada pela distância geográfica, que varia em cada quinquênio. O coeficiente de Frankel e Romer, no limite inferior das estimativas é 1, três vezes o valor encontrado no outro trabalho de Feyrer. No limite superior chega a 5.
A explicação de Feyrer para essa diferença é que o transporte aéreo capta outros impactos da globalização para o crescimento – facilidade de circulação de pessoas em geral, de troca tecnológica etc. – que não são captados pela alteração do custo do transporte marítimo. Assim, podemos considerar 0,3 o impacto do comércio na renda per capita. Essa atribuição considera o limite inferior de todas as estimativas. Se uma economia é 10% mais aberta, após controlarmos pelas características geográficas, inclusive o tamanho da economia, o PIB per capita será 3% maior. Trata-se de um efeito expressivo.
A grande crítica ao enfoque de Frankel e Romer e de Feyrer é que não temos um modelo que gere a equação por eles estimada, e, portanto, o exercício não está sustentado em uma estimativa a partir de modelo estrutural estimado com dados microeconômicos.[1] Apesar do prêmio Nobel deste ano, concedido aos três autores de um trabalho que emprega a mesma técnica de Frankel e Romer,[2] a comunidade acadêmica desenvolveu muita desconfiança com equações agregadas estimadas por técnica de variáveis instrumentais.[3]
Um enfoque estrutural que se desenvolveu muito nos últimos anos é o enfoque da equação gravitacional para o comércio internacional. A ideia é que o comércio entre dois países, medido pela corrente do comércio entre eles, é dado pelo custo do comércio, que depende da distância e das tarifas, do tamanho de cada economia, medido pelo PIB absoluto, e de outros fatores. Uma quantidade imensa de modelos de comércio para um número finito de países gera a mesma equação final entre o comércio bilateral, o custo de comércio, o tamanho das economias e outras variáveis.[4] Nesse tipo de estudo, o parâmetro de interesse é a sensibilidade do comércio bilateral relativa aos custos bilaterais de comércio, dado pelos custos de transporte bruto das tarifas.
Nessa estrutura, é possível obter uma relação simples entre o grau de abertura da economia e o impacto sobre o bem-estar de fechar a economia para o comércio. A relação entre as duas variáveis é mediada pela sensibilidade do comércio bilateral relativa aos custos bilaterais de comércio, como descrito no parágrafo anterior. Adicionalmente, é possível mostrar que a equação básica estimada por Frankel e Romer (1999) pode ser obtida a partir de um modelo estrutural que considera a economia global.[5]
Dada essa associação entre o enfoque estrutural e o enfoque agregado mais informal, é possível saber qual é o impacto que a estimativa estrutural tem para a relação entre comércio e produto per capita. Só para lembrar, no limite inferior da estimativa de Feyrer, a relação foi de 0,3. Cada 10% de aumento da corrente do comércio, como proporção do PIB, eleva o PIB per capita em 3%. A estimativa do mesmo parâmetro para os modelos estruturais é de 0,1, três vezes menor do que o limite inferior das estimativas de Feyrer.
Essa diferença deve-se, provavelmente, à simplicidade do modelo básico. Costinot e Rodriguez-Clare (2014) calculam, para diversas formulações diferentes do modelo estrutural básico – um setor, vários setores com competição perfeita ou competição monopolística, e, finalmente, vários bens com insumos intermediários –, o impacto sobre o bem-estar para diversos países do fechamento da economia. Para a média dos países o efeito é de uma perda de 4,4%, no modelo mais simples (um bem por país e competição perfeita), até 40%, nove vezes mais, para o modelo mais complexo (diversos bens por país, competição imperfeita com comércio de insumos intermediários). Para o Brasil, os números variam de 1,5% até 12,7%, uma razão de 8,5.[6] Essa diferença é maior do que a diferença entre a menor estimativa de Feyrer, 0,3, e a estimativa do modelo básico, 0,1 (um único bem por país e competição perfeita). Ou seja, é possível afirmar que há uma conciliação entre os dois métodos. E o limite superior com os modelos estruturais é ligeiramente inferior a 1.
Faz todo o sentido que modelos que consideram o comércio de bens em processo, e, portanto, cadeias globais de valor, tenham um impacto bem maior sobre o bem-estar da abertura. Suponha um bem cujo processo produtivo tenha cinco etapas. Suponha que cada etapa da produção ocorra em um país diferente. O impacto da redução em 1 ponto percentual na tarifa de importação em diversos países reduzirá o custo de produção do bem em 5% em vez de somente 1%, como seria se somente houvesse comércio de bens finais.[7]
De fato, no período mais recente, políticas de redução de tarifas tiveram maior impacto sobre o comércio internacional do que no período do pós-guerra até a década de 1980.[8] A redução das tarifas tem um impacto sobre a construção das cadeias globais de valor.
Além da literatura que investiga ganhos de produtividade da abertura da economia, há outra literatura que investiga se há uma relação entre abertura para o comércio e crescimento econômico. A técnica padrão, principalmente em inúmeros trabalhos dos anos 1990, foi considerar a relação entre o crescimento da economia – para um dado intervalo de tempo – e o grau de abertura da economia. Os estudos se beneficiaram do fato de, após o consenso de Washington, uma série de países emergentes ter aberto a economia.[9]
Em geral, em estudos empíricos desse tipo, diversos controles são considerados, além do grau de abertura. Esse tipo de trabalho sofre da mesma crítica ao trabalho de Frankel e Romer.[10] Como há somente uma observação de cada país, todo fator específico a cada país, correlacionado com o grau de abertura da economia e associado ao crescimento econômico, vai sugerir um impacto maior da abertura sobre o crescimento. Ou seja, o fator específico não identificado pelo exercício empírico pode enviesar para maior o efeito da abertura sobre o crescimento.
Estudos posteriores refizeram os trabalhos dos anos 1990 com dados para diversos períodos.[11] Assim, podem controlar por fatores específicos a cada país que não são observados. O resultado desses estudos é que a abertura eleva o crescimento em 1-1,5% nos anos seguintes ao processo de abertura. Tudo sugere que o canal mais importante é o barateamento dos bens de capital. Estevadeordal e Taylor (2013) constroem um modelo simples para motivar esse resultado.
Há estudos que empregam outras técnicas, como a técnica de grupo sintético e estudos de casos individuais. A grande maioria dos estudos sugere que há uma clara associação entre crescimento econômico e eventos de abertura da economia. O resultado amplamente negativo de Rodriguez e Rodrik (2000) foi revertido.[12]
Todo o conhecimento acumulado nas últimas duas décadas caminha na direção de que há impactos expressivos da integração econômica sobre o crescimento das economias. Está mais do que na hora de nos esforçarmos para aumentar o grau de nossa integração econômica.
[1] A apresentação da coluna dos trabalhos de Frankel e Romer (1999) e de Feyrer (2019) e (2021) acompanhou de perto a apresentação em Donaldson (2015), páginas 631 até 635.
[2] Acemoglu, Johnson e Robinson (2001).
[3] Feyrer teve grande dificuldade de publicação. Os dois papers circularam em 2009 e foram publicados após uma década ou mais.
[4] Ver Costinot e Rodriguez-Clare (2014).
[5] Ver Donaldson (2015), página 632.
[6] Ver Costinot e Rodriguez-Clare (2014), tabela 4.1, página 206.
[7] Ver a discussão à página 178 e 179 em Goldberg e Pavcnik (2016).
[8] Ver Goldberg e Pavcnik (2016), páginas 177 até 180.
[9] Para uma resenha desta literatura ver Irwin (2024).
[10] Ver Rodriquez e Rodrik (2000).
[11] Ver Wacziarg e Welch (2008) e Estevadeordal e Taylor (2013).
[12] Ver tabela 1, página 16 em Irwin (2024).
Este artigo foi publicado anteriormente no Blog do IBRE.
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