Brasil já colhe frutos de investir na educação infantil
A educação infantil, que atende crianças de 0 a 5 anos de idade, é comumente apontada como uma alternativa de investimento capaz de melhorar as habilidades cognitivas e socioemocionais com impactos no longo prazo sobre o desempenho escolar e, posteriormente, no mercado de trabalho. Em 2009, o Brasil deu um passo importante neste sentido ao expandir a obrigatoriedade escolar para a faixa etária de 4 a 17 anos, enquanto antes a Constituição de 1988 exigia matrícula apenas entre 7 e 14 anos. Com isto, a pré-escola (para crianças de 4 e 5 anos) passou a fazer parte da educação obrigatória, a qual alcançou em 2023 a taxa de matrícula de 92,9%.
A aposta na educação infantil é respaldada por pesquisas como as de James Heckman, vencedor do Nobel de Economia em 2000, que avaliou programas americanos como o Perry Preschool Program e o Carolina Abecedarian Project. Seus estudos mostraram que investir na primeira infância é uma das melhores opções para um governo preocupado com o bem-estar social, com cada dólar investido retornando 7 dólares para a sociedade. No entanto, é importante lembrar que esses estudos foram feitos em contextos de pequena escala, e os resultados podem não se aplicar da mesma forma em iniciativas nacionais ou regionais de grande porte.
Estudos que analisaram a expansão da educação infantil universal ou em larga escala encontraram alguns nuances em seus resultados. Um dos principais pontos é que o impacto depende diretamente da qualidade do ensino oferecido em relação aos ambientes alternativos em que estariam estas crianças.
Em geral, os ganhos são maiores quanto melhores forem as creches ou pré-escolas. Outro achado relevante é que crianças de contextos sociais mais vulneráveis tendem a se beneficiar mais dessa etapa de ensino do que aquelas de famílias mais privilegiadas.
Esses achados são especialmente importantes no caso brasileiro, no qual muitas crianças vivem em condições socioeconômicas mais desafiadoras do que as de países ricos, mas, ao mesmo tempo, a qualidade do ensino costuma ser inferior. Para ilustrar, em 2009, uma avaliação realizada em creches e pré-escolas de seis capitais brasileiras mostrou que, em seis dos sete critérios avaliados, o ensino oferecido era considerado inadequado.
Se, por um lado, uma baixa qualidade da educação infantil no Brasil pode reduzir seus benefícios, por outro, no contexto socioeconômico das crianças brasileiras ela pode ainda assim ser benéfica. Afinal, será que os investimentos brasileiros nessa área foram tão eficazes quanto os estudos de Heckman indicam, ou as crianças foram prejudicadas ao frequentar pré-escolas de baixa qualidade? Foi para responder essa pergunta que realizamos o estudo “The impacts of universal early childhood education in Brazil”, o qual será publicado em uma edição especial do “Journal of Human Capital”.
Para medir o efeito da pré-escola sobre o desempenho escolar futuro, aproveitamos a implementação desigual da expansão da educação infantil provocada pela mudança na obrigatoriedade escolar. Devido ao atraso na regulamentação estatutária, alguns municípios brasileiros expandiram imediatamente suas redes de pré-escolas após a mudança constitucional, enquanto outros aguardaram. Assim, apesar da taxa de matrícula nacional ter aumentado 10,4 pontos percentuais de um ano para outro, crianças em municípios distintos foram afetadas de forma distinta. Isso nos permitiu dividir os municípios em dois grupos: um de tratamento, com aqueles que imediatamente expandiram a oferta de vagas de pré-escola, e outro de controle, com os que não o fizeram.
Nós então observamos, em cada grupo de municípios, as notas na Prova Brasil dos alunos que ainda estavam na primeira infância quando houve a obrigatoriedade de matrícula na pré-escola e as notas dos alunos que já haviam passado dessa faixa etária. Comparando a evolução do desempenho escolar dos cortes das crianças desses dois grupos de municípios foi possível estimar o efeito causal da frequência à pré-escola nas notas de Matemática e Língua Portuguesa no 5º ano do ensino fundamental.
Os resultados indicam que as crianças que passaram a frequentar a pré-escola tiveram, no 5º ano, um ganho de desempenho na Prova Brasil equivalente a quase 1,5 ano a mais de estudo em Matemática e 1,3 ano a mais em Língua Portuguesa. Em particular, esses efeitos foram cerca de 50% mais fortes para as crianças cujas mães tinham menor escolaridade. Assim confirmamos a presença no Brasil de um poderoso fenômeno registrado em outros países: a eficácia da educação infantil em aumentar a proficiência média e diminuir desigualdades educacionais.
Também analisamos como os efeitos variaram entre municípios com diferentes níveis de investimento por aluno na educação infantil. Com isso pudemos distinguir os impactos da pré-escola nos locais onde ela era de alta qualidade, uma vez que o investimento se correlaciona com fatores como a infraestrutura, a qualificação dos profissionais e o tamanho das turmas, os quais são determinantes do bom ensino.
Encontramos que os maiores benefícios foram observados nos municípios que direcionaram mais recursos para cada criança. Por outro lado, nos municípios com investimentos insuficientes, os resultados não foram significativos.
Ou seja, o Brasil já começou a colher os frutos dos investimentos feitos no passado, algo que ajuda a explicar parte da melhora recente nas avaliações dos primeiros anos do ensino fundamental. Ainda há mais ganhos a serem colhidos se o país continuar a investir na primeira infância, mas é crucial que o foco esteja nas crianças mais vulneráveis e que se garanta a boa qualidade do ensino.
Para o futuro próximo, uma grande oportunidade está se formando. Com a aprovação do Novo Fundeb em 2020, mais recursos públicos estão sendo direcionados à educação infantil. Além disso, o Brasil está passando por um processo acelerado de transição demográfica, o qual implica menos crianças na primeira infância. Juntando ambos os fatores, há margem não só para que mais crianças sejam atendidas por creches e pré-escolas públicas, mas também para que o investimento por aluno de educação infantil aumente. O melhor uso destes recursos permitirá a melhoria do ensino ofertado. Essa é uma oportunidade que não podemos deixar escapar.
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