A cidade do Rio ensaia uma virada na forma de pensar segurança pública 

É preciso se apoiar em uma política integrada, capaz de articular prevenção, gestão e respostas focalizadas 

Estão abertas as inscrições para um concurso público com potencial de transformar a atuação do poder municipal na segurança. A Prefeitura do Rio lançou edital para o cargo efetivo de gestor de segurança municipal, profissional que reunirá competências em ciência de dados e gestão pública e terá a missão de planejar, conduzir, avaliar e revisar a Política Municipal de Segurança. Num campo historicamente marcado por respostas imediatistas e pelo monopólio policial, a criação de um cargo civil e técnico voltado ao planejamento e à implementação de políticas públicas representa um passo importante na construção de um novo paradigma nacional. 

A inspiração dessa nova carreira vem da saúde pública, que passou por profunda transformação com a criação do SUS. A partir desse marco, o serviço deixou de ser centrado no saber biomédico e na assistência a casos individuais para se tornar uma política articulada em rede, com ações de vigilância, prevenção e cuidado em diferentes níveis. De modo semelhante, a segurança pública precisa romper com a lógica centrada na emergência e no confronto para se apoiar numa política integrada, capaz de articular prevenção, gestão e respostas focalizadas, orientada por dados e coordenada entre atores diversos. 

A aposta nesse modelo ocorre em meio à reorganização institucional da Prefeitura, que busca assumir papel mais proativo na segurança da cidade. As ações incluem a criação da Força Municipal, divisão de elite da Guarda Municipal, e do Sistema de Segurança Municipal (SSM), que reúne os órgãos da área sob o mesmo eixo programático. O SSM será coordenado por um secretário-geral vinculado ao gabinete do prefeito, responsável por reuniões periódicas de gestão inspiradas no CompStat de Nova York, pautadas por dados e voltadas à resolução de problemas. Diferentemente do modelo tradicional, o CompStat carioca amplia o escopo ao envolver instituições para além das forças policiais, enfrentando questões que exigem coordenação interagências, como zeladoria urbana e regulação do trânsito de motocicletas, recentemente associadas a episódios de furtos e roubos. 

O concurso exige formação superior e valoriza perfil interdisciplinar, com experiência profissional e repertório analítico. As inscrições vão até 28 de outubro. A seleção inclui provas objetiva, discursiva e oral, além de avaliação de títulos e curso de formação, com foco em gestão por resultados, segurança pública e uso de dados. O desenho dialoga com carreiras como especialista em políticas públicas e gestão governamental (EPPGG), voltada ao fortalecimento da capacidade estatal de planejar e avaliar políticas públicas.

O conjunto de ações desenvolvidas pela Prefeitura, com apoio técnico do Leme – Laboratório para Redução da Violência, enfrenta dois desafios nacionais da segurança pública. O primeiro é fortalecer a capacidade institucional dos municípios para tornar o ambiente público mais seguro. O segundo é tratar a segurança como política pública, com planejamento, metas e avaliação voltados à prevenção do crime e da violência.

Nesse cenário, o gestor de segurança municipal ocupará papel crucial: garantir a implementação da política municipal, monitorar resultados, resolver problemas de coordenação entre agências e desenhar novos programas. Não é um desafio trivial, pois envolve lidar com problemas típicos da burocracia, como a fragmentação das informações e a descontinuidade administrativa. Se bem-sucedida, essa configuração pode contribuir para reduzir a violência cotidiana e ampliar a confiança dos cariocas na capacidade estatal de garantir segurança e civilidade. 

*Artigo publicado originalmente no O Globo em 17/10/2025