A Covid, os órfãos e a fome entre bebês e crianças pequenas

Os pequenos carregarão as consequências deste período por mais tempo. 

Políticas Públicas
07/10/2022
Cláudia Costin

Em documento recente, a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, em parceria com o Unicef e o Itaú Social, aponta desigualdades e impactos da Covid na primeira infância, etapa que vai da gestação aos 6 anos de idade. No texto, com base em dados sólidos, aparece a constatação de que os pequenos não foram os que mais adoeceram ou perderam a vida pela doença, mas os que carregarão as consequências deste triste período por mais tempo.

Afinal, para crianças que estão nessa faixa de idade, tão suscetível a problemas de desenvolvimento físico e mental, mais de um terço de sua existência se passou sob a influência da fase pandêmica. Muitos viveram insegurança alimentar, dado o prolongado isolamento em casa e a crise econômica, falta de acesso a serviços de saúde e de educação, violência e questões relacionadas à saúde mental.

De fato, houve no período não apenas o fechamento de creches e escolas por quase dois anos letivos inteiros como a não disponibilização, em boa parte dos municípios, de alimentos para os bebês e crianças em situação de vulnerabilidade.

É importante lembrar que, em muitos países que fecharam unidades escolares, refeitórios ficaram abertos para alimentar alunos mais pobres. Com a falta de ações coordenadas nessa direção, graves problemas de desenvolvimento podem ocorrer, inclusive anemia falciforme, que impacta a capacidade de aprender.

Mas houve outras consequências ligadas ao isolamento social, como retardos na fala, dificuldades de interação (o que levou a um aumento de suspeitas de autismo) e, no sentido econômico, fechamento definitivo de centros infantis privados ou comunitários, com a consequente demissão de professores. Muitos pais consideraram não fazer sentido continuar pagando por um serviço que não estava sendo ofertado (e nem teria como, no caso de creches) na forma remota.

Na saúde, destaca-se a queda na cobertura das dez vacinas da primeira infância, inclusive BCG e poliomielite. Quando um governante põe em questão a segurança da vacina da Covid para as crianças, impacta a percepção dos pais sobre eventuais riscos das demais.

Entre os problemas apontados no relatório, dois merecem especial atenção. O grande aumento de órfãos da Covid e a desigualdade nos impactos vividos. As perdas dos pequenos foram importantes para todos, mas para os negros e indígenas, assim como a população de baixa renda, foram ainda maiores.

Em 2023, temos que avançar de forma determinada no combate a essas e outras consequências do inadequado enfrentamento da crise. Caso contrário, não teremos nenhuma forma de desenvolvimento inclusivo.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Cláudia Costin

    Diretora Geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (FGV CEIPE). Integra também a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho da Organização internacional do Trabalho (OIT), das Nações Unidas. Secretária-executiva e Ministra da Administração e Reforma do Estado entre 1995 e 2000. Secretária de Cultura do Estado de São Paulo, entre 2003 e 2005, e Presidente da Promon-Intelligens, empresa voltada para e-learning. Atuou como consultora em políticas públicas e modernização do Estado, apoiando diversos países africanos como Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau Moçambique e São Tomé e Príncipe. Professora universitária, tendo atuado em instituições como PUC-SP, FGV, INSPER e, como professora visitante, na École Nationale d’Administration Publique (Canadá) e Harvard (EUA).

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