Dia da instituição do direito do voto da mulher: uma luta contínua
Data celebrada em 3 de novembro é simbólica e educativa
A história do voto feminino no Brasil costuma ser contada como uma vitória democrática, celebrada com entusiasmo por ter sido “conquistada” em 1932. No entanto, essa narrativa esconde uma realidade mais dura e complexa: o direito ao voto das mulheres foi instituído sob uma ditadura, e sua efetivação esteve longe de representar igualdade política entre homens e mulheres.
O Código Eleitoral de 1932, outorgado por Getúlio Vargas após a Revolução de 1930, enquanto chefe do governo autoritário exercido com amplos poderes discricionários até 1934, é frequentemente lembrado como um marco de progresso. De fato, esse código eleitoral estendeu o direito de voto às mulheres, mas sob condições visivelmente restritas. Pela letra da lei, o alistamento eleitoral era obrigatório para todos os homens maiores de 21 anos e que soubessem ler e escrever, mas facultativo para as mulheres. Apenas as funcionárias públicas eram obrigadas a se alistar – justamente num contexto em que ainda não existia estabilidade do funcionalismo público. Claramente, a expectativa do governo era contar com o apoio automático de todos os servidores, sem distinção de sexo, tornando estratégico obrigar as funcionárias públicas a se alistar para nele evidentemente votar. Afinal, embora o mesmo código eleitoral tenha criado a Justiça Eleitoral e adotado algumas medidas para preservar o segredo do voto, houve muitas denúncias de violação do segredo do voto nas primeiras eleições da Era Vargas.
A Constituição de 1934 adotou o voto obrigatório para os homens, mantendo-o facultativo para as mulheres. Mais do que uma diferença técnica, essa distinção refletia uma lógica social que subordinava a mulher ao marido. Essa regra não foi um acidente. Ela foi construída deliberadamente para preservar a autoridade masculina e manter as mulheres em posição de subordinação. Mesmo após a Constituição de 1946 afirmar que o voto era obrigatório para todos os brasileiros, a legislação ordinária continuou a permitir que mulheres sem profissão lucrativa fossem dispensadas do alistamento. A discriminação persistiu de forma velada até 1965, quando finalmente foi eliminada com o novo Código Eleitoral.
Desde o Império, a exclusão política das mulheres foi naturalizada. A Constituição de 1824, por exemplo, não mencionava explicitamente a proibição do voto feminino, mas o silêncio sobre o tema já indicava a exclusão. Esse padrão se repetiu ao longo da história: a ausência de menção às mulheres nos textos legais era suficiente para negar-lhes o direito de participação política.
Vale lembrar que na primeira vez em que se cogitou estender o direito de voto às mulheres, durante a Constituinte de 1891, os argumentos usados pelos parlamentares giravam em torno da preservação da unidade familiar. A ideia de que a mulher poderia votar era vista como uma ameaça à ordem doméstica. As poucas propostas que surgiram buscavam limitar o voto às mulheres solteiras ou viúvas com profissão, excluindo as casadas. Em outras palavras, o direito político da mulher era condicionado à sua desvinculação do lar e da autoridade do marido.
Essa história mostra que o voto feminino no Brasil não foi uma conquista plena em 1932. Foi, na verdade, uma concessão limitada, feita em um contexto autoritário, e moldada para não abalar as estruturas patriarcais. A narrativa do pioneirismo, que celebra essa data como um avanço democrático, ignora as barreiras legais e sociais que continuaram a impedir a participação política das mulheres por décadas.
Reconhecer essa complexidade é fundamental para entender os desafios que ainda persistem. A sub-representação feminina na política brasileira não é apenas reflexo de escolhas individuais, mas resultado de uma longa tradição de exclusão e silenciamento. O direito ao voto foi um passo importante, mas não suficiente. A igualdade política exige mais do que acesso às urnas — exige a desconstrução das estruturas que historicamente limitaram a voz das mulheres.
Neste Dia da Instituição do Direito do Voto da Mulher, é essencial lembrar que a luta pela cidadania plena continua. Celebrar a data com consciência histórica é reconhecer que a democracia só se fortalece quando todos os seus cidadãos têm voz ativa, sem restrições veladas ou condicionamentos que perpetuem desigualdades.
Autores

Jaqueline Porto Zulini
Professora de ciência política da Fundação Getulio Vargas e bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado Faperj. Especializou-se no estudo das instituições políticas brasileiras com ênfase em eleições,… ver maisJaqueline Porto Zulini
Professora de ciência política da Fundação Getulio Vargas e bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado Faperj. Especializou-se no estudo das instituições políticas brasileiras com ênfase em eleições, comportamento parlamentar e relações Executivo-Legislativo. Co-autora do livro "Almanaque de Dados Eleitorais: Primeira República (1889-1930)", publicado pela Editora TSE em 2023, tem se dedicado à análise das instituições representativas no Brasil da Primeira República e da Era Vargas.