Dia do Trabalhador Rural: O potencial da produção orgânica na melhoria da qualidade de vida no campo
Há exatos 60 anos, morria uma das mais importantes figuras na luta pelos direitos dos trabalhadores do campo, o deputado federal Fernando Ferrari (1921-1963). Não por acaso, o Dia do Trabalhador Rural é celebrado em 25 de maio, data que merece atenção e reflexões. Afinal, são 15 milhões de brasileiros ocupados com atividades agropecuárias[1], de acordo com o mais recente Censo Agropecuário.
São pequenos agricultores, empregados e agricultores familiares cujo bem-estar e qualidade de vida dependem da transição a sistemas de produção mais sustentáveis. Sabe-se que o modelo convencional de produção de alimentos, muito incentivado pela política agrícola brasileira desde a década de 1960, é causador de graves impactos socioambientais, incluindo a contaminação de trabalhadores do campo, comunidades e consumidores pelo uso de agrotóxicos.
De maneira paralela e, frequentemente conflitante, as políticas de agroecologia e produção orgânica criadas até a atualidade configuram um movimento contrário a uma série de políticas orientadas ao modelo de produção convencional. A cada ano, por exemplo, são concedidos incentivos fiscais da ordem de bilhões de reais às atividades ligadas à comercialização de agrotóxicos, caracterizando um importante mecanismo de subsídio ao setor de agroquímicos[2]. Em 2017, esse montante chegou a cerca de R$ 9 bilhões em isenções[3]. No lado de quem manipula esses produtos, dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que, apenas em países em desenvolvimento, os agrotóxicos ocasionam 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano e que evoluem para óbito[4].
Desta forma, é evidente a necessidade de garantir formas de produção agrícola que sejam capazes de recuperar e preservar as condições essenciais para dar continuidade ao fornecimento de alimentos saudáveis, incluindo o zelo pela saúde dos trabalhadores do campo. A produção orgânica, assim como outros sistemas alternativos ao convencional, como o agroecológico, se apresenta como caminho promissor para que os sistemas agroalimentares consigam garantir disponibilidade e acesso a esses alimentos e, ao mesmo tempo, conservar os recursos naturais dos quais dependem para se sustentar.
Para o agricultor, são diversas as motivações que podem levar a fazerem a transição para a produção orgânica. Do desejo de vender os produtos a melhores preços, as preocupações com a própria saúde e de sua família, aumento dos rendimentos familiares, menor dependência de insumos externos, dentre outras. A transição para uma agricultura que seja livre de agrotóxicos não depende apenas da vontade e empenho do produtor rural. Assim, em termos de políticas públicas, faz-se necessário incorporar a agricultura orgânica e agroecológica no cerne da atuação do Estado na agenda de agricultura e alimentação.
No âmbito do projeto Converte-se: promovendo a conversão a produção orgânica pela agricultura familiar desenvolvido pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas - FGVces, foram discutidas, junto a representantes de cerca de 50 organizações de diversos elos da cadeia, recomendações para tornar a cadeia de alimentos orgânicos mais favorável ao processo de conversão à produção orgânica pela agricultura familiar. Um exemplo de recomendação para fortalecimento de políticas de fomento à cadeia de alimentos orgânico específico para agrotóxicos seria a reformulação de normas e políticas ligadas a agrotóxicos, direcionando-as ao fomento à produção orgânica e agroecológica. Para isso, as ações estruturantes seriam:
- O estabelecimento de normas mais rígidas para que os riscos e impactos negativos dos agrotóxicos sejam comunicados de maneira clara nas embalagens.
- A redução de isenções fiscais ligadas à comercialização de agrotóxicos e criar incentivos fiscais para a produção e comercialização de alimentos orgânicos e agroecológicos (ex.: reduzir impostos sobre máquinas e implementos que contribuam para que a produção orgânica seja menos penosa, reduzir impostos sobre insumos permitidos na produção orgânica).
A produção orgânica tem, portanto, o potencial para aumentar os rendimentos e contribuir para a melhoria da qualidade de vida e redução das desigualdades no campo. Inúmeros desafios ainda precisam ser enfrentados por esses produtores na transição para sistemas orgânicos de produção. Seja na comercialização de seus produtos ou na viabilização do amplo acesso a esses alimentos, atualmente tidos como produtos de nicho devido aos preços, geralmente mais elevados do que os alimentos convencionais. Estes entraves decorrem de uma trajetória de políticas públicas voltadas à promoção da agricultura convencional e de lacunas nas dinâmicas de mercado predominantes, que culminam na desvalorização da agricultura familiar e na concentração de poder nas cadeias de valor. Para superá-los, é necessária uma atuação conjunta entre os diversos atores envolvidos na temática.
Para saber mais, acesse aqui a página do projeto. Converte-se: Promovendo a conversão à produção orgânica pela agricultura familiar.
[1] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário, Florestal e Aquícola 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017.
[2] BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH - USP, 2017. 296 p. Disponível em: https://conexaoagua. mpf.mp.br/arquivos/agrotoxicos/05-larissa-bombardi-atlas-agrotoxico-2017.pdf/view
[3] CUNHA, L. N & SOARES, W. L Os incentivos fiscais aos agrotóxicos como política contrária à saúde e ao meio ambiente. In Cadernos de Saúde Pública. N. 36, 2020. Disponível em: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/1678-4464-csp-36- 10-e00225919.pdf.
[4] CARNEIRO, F. F. et al. Segurança Alimentar e nutricional e saúde. Parte 1. In: CARNEIRO, F. F. et al. (org.) Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015. Disponível em: <">https://www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/wp-content/uploads/2013/10/...