Administração

Dos eSports para as Empresas: como a IA pode mudar sua organização?

Gabriel Silva Cogo

A primeira vez que os modelos de IA da OpenAI chamaram minha atenção foi alguns anos antes do chatGPT e de sua revolução. Seguindo os passos dos modelos de Reinforcement Learning (RL) que jogavam xadrez e go, a OpenAI criou o Five (https://openai.com/index/openai-five/) para jogar Dota 2. Para muitos do mundo gamer, um dos jogos competitivos mais complexos e difíceis de ser entendido e, principalmente, de se competir. O Five foi capaz de vencer jogadores humanos em pouco tempo de treino, e eventualmente venceu o time que havia se tornado o primeiro bicampeão de Dota 2 no ano de 2019, o time OG. 

Houve uma grande surpresa na comunidade gamer, pois as regras e possibilidades de um jogo de Dota 2 são quase infinitas, e o teto de habilidade para se jogar em nível competitivo é considerado um dos mais altos no mundo dos eSports. O interessante do Five para o time OG, segundo entrevista, foi demonstrar para os times competitivos de Dota 2 como aprender sobre estratégias, comportamentos e trabalho em equipe ao observar a máquina descobrir novos caminhos para a vitória que até um time multicampeão não conhecia. Ou seja, o Five foi capaz de ensinar aos campeões como ser ainda melhores e reaprender práticas que equipes neste nível poderiam julgar já conhecer a fundo. 

O salto da IA para lidar com tarefas mais complexas 

O Five da OpenAI mostrou que até tarefas aparentemente dificílimas — como um jogo em equipe com regras complexas e imprevisibilidade humana — podem ser aprendidas por uma IA. Assim, se entende a minha surpresa ao ver o Five atingir um nível sobrehumano num jogo que usa 5 redes neurais treinadas como 5 jogadores independentes (mas que precisam agir em conjunto para alcançar a vitória). Foi um grande passo no treino de máquinas, assim como a primeira máquina capaz de ganhar de um campeão de xadrez apenas alguns anos atrás. Essa capacidade de entender principalmente a complexidade de tarefas e a definição clara de cada tarefa necessária, são vitais para que possamos automatizar corretamente o processo. 

A priorização de tempo (horizontes curtos X horizontes longos) e delegação de tarefas (cada um dos 5 agentes do Five possui tanto objetivos comuns quanto objetivos específicos) foi como os programadores demonstraram compreender o que era necessário para alcançar o objetivo no jogo de Dota. Esse mesmo princípio se aplica aos negócios: processos empresariais complexos podem ser otimizados com IA, mas apenas se forem bem estruturados e compreendidos. 

Eu trago este assunto em diversos debates, muitos deles na sala de aula, quando o assunto é a aplicação de IA nas empresas e como ela pode gerar produtividade. Logo, apenas os modelos de comportamento mais avançados irão entregar o resultado necessário para treinar o agente a alcançar seu objetivo. E se pudéssemos fazer o mesmo nas empresas? 

Porque tantas empresas declaram que seus investimentos em IA subperfomaram ou fracassaram? 

Para organizações, podemos dizer que existem objetivos a serem alcançados, e por mais complexo que sejam (com certeza mais que jogos), ainda assim são capazes de serem desmembrados em pequenas tarefas que são possíveis de serem automatizadas usando o suporte da IA. Objetivos estratégicos são transformados em táticos, em sequência e em operacionais. E assim transformamos a missão da empresa em tarefas que realizamos no dia a dia. 

O debate nos últimos anos, entretanto, tem sido em relação aos grandes investimentos feitos por empresas para se adaptar à onda de IA, e o pouco retorno que estas empresas têm tido com esses investimentos. Voltamos ao antigo debate de investimentos em TI e como medimos seu retorno para as empresas. Aqui, gosto de trazer um conceito famoso na área de DevOps, que é “a maneira como fazemos as coisas”. A diferença entre projetos bem-sucedidos de tecnologia muitas vezes se dá pela compreensão de como podemos transformar ferramentas tecnológicas em algo aplicável e mensurável para a empresa. IA pode ser uma ferramenta poderosa de automação de processos na empresa, porém ela (ainda) não é capaz de corrigir processos falhos e uma empresa desorganizada. 

Estudos sobre vantagem competitiva revelam que empresas bem-sucedidas sabem responder a três perguntas simples: 

Quais caminhos (escolhas) nos levaram ao sucesso até aqui? 

O que fazemos melhor que a concorrência no médio e longo prazo? 

O que estamos fazendo para continuar nos desafiando e melhorando sempre? 

Sem essa clareza, a IA vira um custo, não um diferencial. É preciso se perguntar: estou apenas seguindo a moda ou realmente existem processos maduros e eficientes na minha empresa que podem se beneficiar de uma tecnologia avançada para alcançar patamares ainda mais altos? 

Somente quando a empresa atingir uma maturidade de processos e compreensão do que ela é capaz de entregar com qualidade que eu posso dizer: este processo pode se beneficiar do uso de IA e outras ferramentas de automação. Conheço vários exemplos de tecnologias aplicadas em cima de processos de natureza burocráticas, porque é muito mais fácil comprar software do que admitir que talvez o processo seja falho. Assim, estamos prejudicando as pessoas na nossa empresa apenas para poder dizer: aqui usamos IA. 


*Artigo publicado originalmente no Blog do Impacto em 20/05/2025

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Autores

  • Gabriel Silva Cogo
    Gabriel Silva Cogo
    Pesquisador FGV Analytics. Possui graduação em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009), mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013) e…  ver mais

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