A duração da licença-paternidade e a expectativa jurídica em relação ao cuidado
A licença-paternidade é direito social previsto no art. 7º, inciso XIX, da Constituição Federal de 1988. Porém, ao contrário do previsto no art. 7º, inciso XVIII da Constituição Federal, que garante a licença maternidade com duração mínima de 120 dias, não há qualquer referência quanto ao tempo no inciso XIX do mesmo artigo e que trata da licença-paternidade. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por sua vez, estabeleceu que, até que fosse promulgada lei a respeito, a licença-paternidade teria a duração de cinco dias (art. 10, § 1º do ADCT).
Num esforço para aumentar a licença maternidade, a Lei 11.770/2008 criou o chamado Programa Empresa Cidadã, programa no qual o empregador receberá benefícios fiscais em troca da prorrogação do prazo da licença – no caso, a licença maternidade será prorrogada por 60 dias, além dos 120 dias previstos na Constituição. Esta lei, que tratava inicialmente apenas da licença maternidade, foi alterada pela Lei 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, passando a prever um prazo de 15 dias para a licença-paternidade para além dos cinco dias previstos no ADCT.
Interessante observar que a prorrogação do tempo da licença-paternidade foi estabelecida por lei que visa proteger a primeira infância. Ou seja, apesar da proteção integral e da prioridade absoluta garantidas pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, apenas em 2016 as licenças maternidade e paternidade deixaram de ser vistas somente como um direito da mãe ou do pai trabalhador para serem entendidas também como direito do recém-nascido. Ainda assim, temos a seguinte disparidade: até 180 dias de licença para a mãe e até 20 dias para o pai. O que esconde essa diferença no tratamento da maternidade e da paternidade? Por que mães recebem até 160 dias a mais de licença do que os pais?
O Direito tem uma dimensão social; ele é capaz de criar realidades, mas também reflete e reforça, em grande parte, o que já existe na sociedade. A lei tem, claramente, expectativas diferentes a respeito do que é ser mãe e do que é ser pai. A diferença na duração das duas licenças é um exemplo, mas há vários outros. O próprio nascimento do vínculo de maternidade e paternidade são distintos: Enquanto a maternidade e os deveres dela decorrentes são constituídos, em princípio, com o gestar e parir, a paternidade depende de manifestação de vontade expressa do pai, caso este não seja casado com a mãe - aqui vale destacar que o legislador tem em mente a família heteronormativa, ignorando a família homoafetiva, o que é em si também problemático. Desta forma, a paternidade só gera efeitos jurídicos se o pai não casado assim o quiser, ou se for judicialmente forçado para tanto. Não há paternidade automática, mas há maternidade compulsória.
Cuidar é, portanto, visto pelo Direito como um dever automático, natural da mãe: É como uma consequência de um problemático determinismo biológico que a lei enxerga a maternidade e os deveres dela decorrentes. O pai, porém, só terá o dever de cuidado se assim o quiser, ou se for forçado a reconhecer a paternidade por meio de ação judicial. Os estereótipos sociais da mãe cuidadora e do pai provedor se refletem, pois, na duração das licenças maternidade e paternidade. A duração maior da licença maternidade revela a expectativa social e legal de que a mãe assuma sozinha, na maior parte do tempo, os cuidados com o recém-nascido.
A curta duração da licença-paternidade no Brasil é uma violência contra todos os sujeitos da relação de parentalidade. É uma violação dos direitos da criança, que tem o direito de ser cuidada igualmente por ambos os genitores e de estabelecer vínculos de afeto, tão importantes e necessários nos primeiros meses e anos de vida, com mãe e pai. É também tirar dos pais o direito de assumir, de fato, as obrigações legais que nascem com a paternidade, em especial o dever de cuidado, e vivenciar, com tranquilidade, este período. Por fim, a duração de 5 ou 20 dias da licença-paternidade é uma violação aos direitos da mulher, que será mais uma vez sobrecarregada com os cuidados com a família.
O aumento da duração da licença-paternidade é um primeiro passo para lidar, de modo efetivo e satisfatório, de todos esses importantes interesses. Não é, porém, o fim desta jornada de proteção da criança e de igualdade de gênero, que exigem que se pense numa licença familiar voltada, sobretudo, à proteção e ao benefício da criança, que é o sujeito mais vulnerável e mais merecedor de tutela desta história.