Entre a moderação e o radicalismo: uma escolha crucial para o Talibã

Os atentados do dia 26 de agosto aumentarão a disposição da comunidade internacional em ajudar o Talibã a controlar o país e é bem possível que o grupo receberá ajuda militar dos EUA. Ainda assim, o Talibã dificilmente adotará uma postura interna moderada. Quer evitar o crescimento de ISIS

Relações Internacionais
30/08/2021
Oliver Stuenkel

O Talibã encontra-se em uma situação difícil: por um lado precisa do reconhecimento da comunidade internacional como governo legítimo do Afeganistão para ter acesso às reservas monetárias do Banco Central afegão, mantidas em contas nos EUA (quase 10 bilhões de dólares). Por isso, tem adotado uma retórica mais moderada. Um dos porta-vozes do grupo aceitou ser entrevistado por uma mulher na TV, algo inimaginável quando o grupo governou o país nos anos 1990. Uma política minimamente moderada também é crucial para evitar a já existente fuga de cérebros, sobretudo nos centros urbanos. A emigração de médicos, por exemplo, é uma preocupação do Talibã, pois dificultará o fornecimento de bens públicos básicos, como acesso à saúde.

Porém, o tom mais moderado das suas lideranças aumenta também o risco de deserção entre os soldados do Talibã, atraídos pela retórica muito mais radical do Estado Islâmico (ISIS), que rejeita qualquer moderação ou negociação com os EUA. É por isso que o Talibã, durante as negociações com o governo Trump, nunca aceitou uma aliança formal com os EUA, pois o fato seria utilizado pelo Estado Islâmico para acusar o Talibã de ser fantoche americano.

Os atentados do dia 26 de agosto aumentarão a disposição da comunidade internacional em ajudar o Talibã a controlar o país e é bem possível que o grupo receberá ajuda militar dos EUA. Ainda assim, o Talibã dificilmente adotará uma postura interna moderada. Quer evitar o crescimento de ISIS. O Talibã tem também outra razão para combater o Estado Islâmico: se o ISIS vir a cometer ataques terroristas nos EUA, Biden sofrerá uma pressão enorme em voltar a atuar militarmente no Afeganistão, algo que o Talibã quer evitar.

O dilema do Talibã é parecido com aquele de 2001, quando a Al-Qaeda, utilizando o Afeganistão como base, preparou os ataques do 11 de setembro em New York. O Talibã não queria confrontar os EUA, mas também tinha medo de confrontar a Al-Qaeda. Na época, a liderança do Talibã decidiu que confrontar a Al-Qaeda seria mais perigoso do que permitir os ataques do 11 de setembro. Não contou com a resposta furiosa dos EUA, que derrubaram o governo do Talibã e ocuparam o Afeganistão por vinte anos.

Por que o Afeganistão está preso em um ciclo de interferência de atores externos (Império Britânico, Rússia, Al-Qaeda e EUA)? O fato é que nenhum governo em Cabul consegue controlar o país. 73% da população é rural. Assim, é inevitável que forças externas preencham o vácuo de poder no país

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Oliver Stuenkel

    Professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC) e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim e membro do Carnegie Rising Democracies Network. Sua pesquisa lida com potências emergentes, especificamente o Brasil, a Índia, a China e seus impactos sobre a goverança global. Graduação pela Universidade de Valência, na Espanha, Mestrado em Políticas Públicas pela Kennedy School of Government de Harvard University, onde foi McCloy Scholar, e Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha.

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