Economia

Evidências do aumento da bancarização devido ao Pix

Marcelo Kfoury Muinhos

O sistema de pagamentos instantâneos brasileiro (Pix), lançado pelo Banco Central do Brasil em novembro de 2020, representa uma das mais significativas inovações no sistema financeiro nacional das últimas décadas. Em menos de quatro anos de operação, o Pix transformou fundamentalmente a forma como brasileiros realizam transações financeiras, alcançando mais de 150 milhões de usuários únicos e processando bilhões de transações mensalmente. Em uma dissertação, orientada por mim, defendida na FGV-EESP, Andrea Cayres fez um estudo do efeito do Pix na inclusão financeira mais especificamente sobre a bancarização no Brasil. Esse artigo apresenta um resumo do trabalho. 

A inclusão financeira, entendida como o acesso e a utilização de serviços bancários formais por pessoas físicas e jurídicas, é reconhecida internacionalmente como um elemento fundamental para o crescimento econômico e a redução da pobreza. No caso brasileiro, essa discussão ganha ainda mais relevância devido às históricas desigualdades regionais no acesso ao sistema bancário. Dessa forma, compreender de que maneira inovações tecnológicas, como o Pix, influenciam o processo de bancarização é essencial tanto para avaliar a efetividade de políticas públicas quanto para o desenvolvimento de futuras estratégias e intervenções. 

A Portaria 102.166/2019 do BCB instituiu o Fórum PI, posteriormente renomeado para Fórum Pix, como um grupo de trabalho permanente, que está organizado em grupos temáticos para tratar dos temas da Agenda BC+ (atual BC#). Essa agenda de modernização do ecossistema de pagamentos e do mercado financeiro como um todo, abrange os pilares: Inclusão, Competitividade, Transparência, Educação, Sustentabilidade e Excelência. 

Em apenas cerca de quatro anos e meio o Pix colocou o Brasil na vanguarda dos pagamentos instantâneos do cenário global. Ele é fruto de uma evolução do Sistema Financeiro Nacional, cujas primeiras ações em prol de uma infraestrutura interoperável e horizontal, com desenvolvimento compartilhado entre os participantes, de liquidação em tempo real pelo SPI, com participantes inovadores concorrentes de soluções digitais, com menos barreiras de entrada e também por uma regulação adequada a um menor risco sistêmico. 

A dissertação mede o impacto do uso do Pix sobre o acesso ao sistema bancário a nível municipal, fazendo um painel com dados cross-section nos mais de 5 mil municípios brasileiros que se distribuem desde o primeiro trimestre de 2020 até o quarto trimestre de 2024, período que cobre basicamente a adoção do Pix. O principal resultado é que um aumento de 1% na intensidade de uso do Pix está associado a 0,77 contas adicionais por 1000 adultos. Para contextualizar esta magnitude, considere que o crescimento médio do Pix foi de aproximadamente 150% ao ano nos primeiros anos. Um crescimento desta magnitude implicaria aumento de aproximadamente 115 contas por 1.000 adultos (150% × 0,77), representando contribuição substancial para a bancarização.

O uso do Pix cresceu de praticamente zero no quarto trimestre de 2020 para níveis substanciais no quarto trimestre de 2024. Aplicando os coeficientes estimados, este crescimento pode ter contribuído para aumento de 20-30% na bancarização média municipal, representando inclusão de milhões de brasileiros no sistema financeiro formal. 

Os resultados são consistentes com múltiplos mecanismos através dos quais o Pix pode afetar a bancarização: 

1. Redução de custos de transação: O Pix elimina custos monetários e temporais de transferências, tornando contas bancárias mais atrativas. 

2. Efeitos de rede: À medida que mais pessoas adotam Pix, aumenta a utilidade de ter conta bancária para participar da rede. 

3. Intensificação da competição: O Pix facilita mudança entre bancos, incentivando instituições a expandir base de clientes. 

4. Simplificação de processos: A facilidade de uso do Pix pode reduzir barreiras comportamentais à abertura de contas. 

Foi feita também uma análise de heterogeneidade dos efeitos do Pix dependendo do tamanho do município. O estudo revela efeitos diferenciados entre municípios. Aqueles classificados no quartil superior de intensidade do Pix apresentam efeito marginal de 103,83 contas por 1.000 adultos, comparado a 32,53 para municípios do quartil inferior - uma diferença de mais de três vezes como pode ser visto na figura abaixo. Esta heterogeneidade sugere que os benefícios do Pix são amplificados em contextos de maior adoção, possivelmente devido a efeitos de rede e complementaridades com infraestrutura existente.

Foram feitos vários testes de robustez dos resultados como a exclusão das capitais e de cidades muito pequenas ou muito grandes com manutenção da significância. Foram testadas tanto variáveis dependentes diferentes (contas per capita total, taxa de crescimento da bancarização, indicador binário de bancarização) como também variáveis explicativas diferentes (Pix per capita, intensidade relativa do Pix, variação do PIB) e os resultados se mantiveram significativos. Adicionalmente, foram testadas variáveis de controle alternativas e especificações temporais alternativas e a grande maioria dos resultados se mantiveram. 

A evidência da heterogeneidade dos efeitos reforça a necessidade de estratégias direcionadas para potencializar ainda mais os benefícios promovidos pelo Pix. Os resultados indicam que, para que municípios com menor intensidade de uso também possam usufruir plenamente das vantagens dessa inovação, pode ser fundamental implementar ações complementares. 

O caso brasileiro oferece importantes aprendizados para outros países que consideram adotar sistemas de pagamentos instantâneos. O êxito do Pix em ampliar o acesso ao sistema bancário demonstra que, quando bem planejados e executados, tais sistemas têm potencial para promover uma inclusão financeira significativa e sustentável.
 


*Artigo publicado originalmente no Broadcast em 23/10/2025

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Autores

  • Marcelo Kfoury
    Marcelo Kfoury Muinhos
    Marcelo Kfoury Muinhos é professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP) e consultor econômico. Engenheiro pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em economia pela Universidade de…  ver mais

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