O Fundeb e o financiamento da Educação Básica

O que me chamou atenção nas negociações não foi a mobilização de educadores, o que ocorreu com força, como seria esperado, para garantir recursos para a política educacional. Foi a força das instituições democráticas que, embora sentindo-se constantemente sob ataque, fizeram prevalecer a importância de se investir em educação básica no Brasil

Políticas Públicas
27/07/2020
Cláudia Costin

Na última terça-feira, dia 21 de julho, a votação na Câmara Federal, em dois turnos da PEC-15, a proposta de emenda constitucional que deverá tornar o FUNDEB, o principal instrumento de financiamento da educação básica, permanente e mais redistributivo, foi um marco nas relações entre os poderes e, sobretudo, uma garantia de que há um grande movimento em curso para tornar a educação de fato uma prioridade no país.

O processo não se deu sem sobressaltos: até a manhã do dia da aprovação da PEC, ainda havia temores no ar de que prevaleceriam as recomendações do Ministério da Economia que resultariam no atraso em um ano da validade da medida e em uma desidratação dos recursos do fundo, fazendo-o arcar com uma nova versão do Bolsa Família, o Renda Cidadã. Mas a manobra do governo, adotada após ter ficado meses ausente da discussão, não deu certo e o novo Fundeb foi aprovado com um aumento escalonado da participação da União, passando progressivamente dos atuais 10% para 23% em 2026.

Teve importante papel na elaboração e na aprovação da proposta, na ausência de uma atuação forte do MEC, a deputada Professora Dorinha, assim como as entidades que congregam os secretários estaduais e municipais de Educação, respectivamente, o Consed e a Undime.

O que me chamou atenção nas negociações não foi a mobilização de educadores, o que ocorreu com força, como seria esperado, para garantir recursos para a política educacional. Foi a força das instituições democráticas que, embora sentindo-se constantemente sob ataque, fizeram prevalecer a importância de se investir em educação básica no Brasil. Partidos políticos com diferentes visões de futuro conseguiram abandonar a polarização reinante e se unir em frentes parlamentares que se articularam para garantir a aprovação do Fundeb na Câmara. Da mesma maneira, organizações da sociedade civil, entre elas o Todos pela Educação e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, agiram alinhadas para construir consensos e aceitar abrir mão de eventuais pontos de divergência, em nome de uma causa maior.

Afinal, diferentemente do que diz o senso comum, sem base em evidências, não procede a afirmação de que há recursos sobrando para o Ensino Fundamental e Médio, faltando apenas boa gestão. O investimento em educação básica por aluno/ano no país é expressivamente menor que a média da OCDE – gastamos menos da metade, por exemplo, no Ensino Fundamental 1 e ainda menos no Fundamental 2 e no Ensino Médio. Além disso, os salários de professores brasileiro são bem inferiores. Embora seja verdade que apenas aumentar os gastos não resulta em aumento de qualidade, sem tornar a profissão mais atrativa, fica muito desafiador melhorar com boas medidas de gestão a qualidade e reter talento nas equipes escolares.

No entanto, nunca é demais ressaltar que a gestão da política educacional é importante. Isso envolve um bom exercício de liderança, centrado na criação de uma cultura de colaboração entre escolas e dentro de cada uma delas, uma alocação correta de recursos, tanto humanos quanto físicos, para que todas as crianças e jovens, com altas expectativas de aprendizagem, possam desenvolver todo seu potencial e um programa de transformação de uma realidade educacional que ainda está longe de entregar bons resultados.

O Brasil já deu alguns passos nessa direção quando estabeleceu a Base Nacional Comum Curricular - éramos um dos pouquíssimos países participantes no PISA que não dispunham de um currículo nacional. Também avançamos quando desenvolvemos a capacidade, reconhecida internacionalmente, de avaliar a aprendizagem dos alunos. Foi a partir dessa avaliação que saímos da narrativa paralisante que a educação é uma tragédia e passamos a constatar exatamente o que precisa ser aprimorado, em especial a alfabetização inicial e o ensino médio. Avançamos também ao criar uma Lei do Piso Salarial dos professores que, embora ainda longe do ideal, significou uma melhora na atratividade da profissão.

Ainda falta muito a ser feito, como melhorar a formação docente e estabelecer um processo de ensino que, depois de quatro meses longe da escola, retenha os alunos nos bancos escolares e recupere sua aprendizagem, o que passará por desenvolver suas competências digitais e a conectividade das escolas.

Até lá teremos que aprovar a emenda do FUNDEB no Senado, preparar a legislação complementar e garantir uma volta organizada e segura de alunos e professores às aulas presenciais. Sem a coordenação nacional da política educacional, tudo isso se tornará ainda mais difícil, mas não impossível.

Com instituições fortes e a sociedade mobilizada para garantir um desenvolvimento ancorado em educação de qualidade, poderemos avançar!

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Cláudia Costin

    Diretora Geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (FGV CEIPE). Integra também a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho da Organização internacional do Trabalho (OIT), das Nações Unidas. Secretária-executiva e Ministra da Administração e Reforma do Estado entre 1995 e 2000. Secretária de Cultura do Estado de São Paulo, entre 2003 e 2005, e Presidente da Promon-Intelligens, empresa voltada para e-learning. Atuou como consultora em políticas públicas e modernização do Estado, apoiando diversos países africanos como Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau Moçambique e São Tomé e Príncipe. Professora universitária, tendo atuado em instituições como PUC-SP, FGV, INSPER e, como professora visitante, na École Nationale d’Administration Publique (Canadá) e Harvard (EUA).

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