Juros sobre Tributos

Tribunais têm entendido que a Receita não pode usar dois pesos e duas medidas: juros simples para devolver, juros compostos para cobrar. 

Economia
28/10/2022
Isaías Coelho

O Código Tributário Nacional tem um curioso parágrafo único ao artigo 167: “A restituição [do tributo] vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar”. Está mal, muito mal, por duas razões.

Primeiro, porque não faz sentido calcular juros simples. A expressão “juros não capitalizáveis” quer dizer “juros simples”. No mundo moderno, usam-se juros compostos. Em juros compostos, os juros não pagos somam-se ao capital para contagem de juros no período seguinte. As operações financeiras (empréstimos, investimentos, cadernetas de poupança etc.), bem como as operações comerciais, usam juros compostos.

Segundo, porque viola o princípio da isonomia quando adota critério diverso nos casos em que o fisco é o credor. No caso de pagamento de tributos fora do prazo, a lei manda cobrar os juros Selic que são, por definição, compostos. E compostos diariamente. Ao contrário de certa percepção popular, a frequência da capitalização (outra forma de dizer que os juros são compostos) não é onerosa para o devedor. A taxa Selic, de 13,75% ao ano, continuará sendo 13,75% quer seja a capitalização mensal, semanal, diária, ou a cada minuto.

Tribunais têm entendido que a Receita não pode usar dois pesos e duas medidas: juros simples para devolver, juros compostos para cobrar. Cumprindo essas decisões, a Receita Federal passou a usar juros simples com a Selic (isto é, soma elementos que são por natureza multiplicativos), o que foge a toda lógica.

Então a Selic de 13,75% vale para tudo menos para a Receita, que adota, na prática, taxa anual menor. A esperteza de pagar juros menores nas devoluções, que são bem inferiores aos recebíveis em atraso, acaba por causar grande prejuízo financeiro ao fisco, ao mesmo tempo em que desencoraja o contribuinte a pagar pontualmente.

A doidice se espalhou. Tribunais decidiram que também os milhares de estados e municípios estão obrigados a usar o mesmo critério adotado pelo fisco federal.

A coisa não para por aí. A distorção invade o setor privado, já que o Código Comercial estabelece (artigo 406) que o critério adotado pela Receita Federal, certo ou errado, limita os juros que podem ser cobrados em contratos mercantis. Tomada a regra ao pé da letra, são ilegais todas as estipulações de juros atrelados à taxa Selic fixada pelo Banco Central!

Em resumo. O artigo 167 do CTN, ao pretender assegurar a defesa do contribuinte contra a erosão do seu capital retido indevidamente pelo fisco (contagem de juros), introduziu a regra mesquinha de que esses juros são “não capitalizáveis”. O resto é história. Para corrigir as distorções acima apontadas, citada cláusula devia ser eliminada.

Por último, é de notar que tudo o que se segue à vírgula do mencionado art. 167 não faz nenhum sentido. Mas isso já é assunto para outra hora.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Isaías Coelho

    Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).

Artigos relacionados

Últimos artigos

Esse site usa cookies

Nosso website coleta informações do seu dispositivo e da sua navegação e utiliza tecnologias como cookies para armazená-las e permitir funcionalidades como: melhorar o funcionamento técnico das páginas, mensurar a audiência do website e oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para mais informações, acesse o nosso Aviso de Cookies e o nosso Aviso de Privacidade.