A necessária autonomia do Banco Central

Proposta traria agilidade à instituição para realizar investimentos e manter seus quadros técnicos, hoje crescentemente disputados pelo setor privado

Economia
26/08/2024
Gustavo Loyola

O Senado Federal está discutindo, com ampla repercussão, uma proposta de emenda à Constituição (PEC 65/2023) que concede autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central (Bacen) e simultaneamente o transforma em empresa pública. A matéria está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça que, de maneira oportuna, promoveu uma audiência pública relativa ao assunto.

Naquela ocasião, atendendo ao atencioso convite da Comissão, senador Davi Alcolumbre, e do relator da matéria, senador Plinio Valério, tive o prazer de participar de rico debate sobre os vários aspectos da proposta, no qual foram ouvidas posições favoráveis e desfavoráveis. Manifestei, então, minha opinião plenamente favorável à concessão da autonomia orçamentária e financeira ao Bacen nos termos da citada PEC, como complemento necessário à autonomia operacional que foi concedida à instituição pela Lei Complementar 179/2021.

Como se sabe, a autonomia operacional da autoridade monetária é necessária para blindar a política monetária de interferências políticas que prejudiquem o atingimento do objetivo de estabilidade de preços, função precípua da instituição. A política monetária tem ciclos próprios que não se alinham necessariamente aos ciclos políticos, daí a necessidade do isolamento da instituição de pressões que possam vir da dinâmica eleitoral nos regimes democráticos.

Obviamente, tal autonomia não significa que o Bacen se torne um quarto poder; ao contrário, trata-se de uma autonomia limitada a seus objetivos e sujeita ao processo de prestação de contas à sociedade, por via do parlamento federal. Com a promulgação da LC 179/2021, o Bacen adquiriu esse status de autonomia, notadamente com a criação de mandatos fixos e não coincidentes para seus dirigentes, que continuam sendo escolhidos pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal.

Nesse sentido, o objetivo de atribuir autonomia orçamentária e financeira ao BC é justamente o de lhe permitir o melhor cumprimento de suas missões institucionais, não apenas no campo da política monetária, mas também como órgão máximo da supervisão financeira no país. Trata-se também do alinhamento às melhores práticas internacionais. lembrando que há recomendação específica do Fundo Monetário Internacional (FMI) nesse sentido, como uma reforma adicional necessária ao reforço institucional do Bacen.

A autonomia orçamentária, financeira e administrativa do Bacen consistiria basicamente em dar à instituição a capacidade de elaborar seu próprio orçamento e financiar suas despesas com receitas próprias. Além disso, ao mudar a natureza do Bacen para empresa pública de natureza especial, a proposta traria agilidade à instituição para realizar investimentos e manter seus quadros técnicos, hoje crescentemente disputados pelo setor privado. Iniciativas como a do Pix e a do “open finance” seriam aprofundadas e operadas com maior segurança. Vale lembrar que a segurança cibernética é hoje uma das maiores preocupações dos bancos centrais, principalmente depois que o banco central de Bangladesh esteve a ponto de perder US$ 1 bilhão num ataque “hacker” atribuído aos norte-coreanos.

Autonomia operacional é necessária para blindar a política monetária de interferências políticas Porém, uma preocupação legitima ao se estender a autonomia do Bacen à esfera administrativa, orçamentária e financeira é a de que tal passo representaria dar à instituição uma carta branca, para operar à margem das leis orçamentárias brasileiras, inclusive no que diz respeito ao controle externo. Tal risco, contudo, não existiria, posto que o projeto de emenda constitucional mantém a necessidade de aprovação de orçamento do BC pelo Congresso Nacional, como também a fiscalização de sua execução por meio do Tribunal de Contas da União. Não seria alterado também o relacionamento financeiro com o Tesouro Nacional, como hoje disciplinado pela Lei 13.820/19, que determina, entre outras questões, a transferência dos resultados positivos do Bacen para a União. Ademais, o Conselho Monetário Nacional (CMN) não teria alteradas suas atribuições atuais relativas aos aspectos normativos das políticas executadas pelo Bacen.

Outro aspecto que tem merecido reparos à citada PEC é que, muito embora sem necessariamente se oporem à necessidade de dotar o Bacen dos recursos necessários ao cumprimento de suas missões institucionais, alguns respeitados economistas e juristas se opõem à transformação do Bacen em empresa pública de caráter especial, porque isso traria riscos para o exercício do chamado poder de polícia necessário à instituição na esfera da estabilidade financeira (por exemplo, autorização de funcionamento, fiscalização e resolução). No entanto, tudo indica que tais riscos são mínimos, em razão notadamente de jurisprudência já firmada em situações assemelhadas pelo STF.

De todo modo, o importante é que o Bacen ganhe a necessária autonomia administrativa, orçamentária e financeira dentro de um adequado quadro legal compatível com a segurança jurídica e respeitado sempre o princípio do dever de prestação de contas à sociedade, por meio dos canais adequados.

Finalmente, mas não menos importante, há também de se assegurar o direito adquirido dos servidores ativos e inativos da instituição, no caso da transformação de sua natureza jurídica.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Gustavo Loyola

    Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do Banco Central e diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

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