Novas tecnologias provocam fortes mudanças nas atividades jurídicas: percepções baseadas na experiência do King´s College London

Como é possível pensar em um ensino jurídico inovador sem levar em considerações este cenário? Como formar docentes para lidarem com a rápida e inconstante reformulação das relações sociais mediadas pela tecnologia?

Direito
04/05/2023
Tatiane Guimarães

Os avanços da tecnologia e o lançamento de produtos que provocam profundas e rápidas transformações nas atividades jurídicas vêm desafiando as Escolas de Direito a repensar e adaptar seus programas, instrumentos de ensino e metodologias na mesma velocidade.

Como é possível pensar em um ensino jurídico inovador sem levar em considerações este cenário? Como formar docentes para lidarem com a rápida e inconstante reformulação das relações sociais mediadas pela tecnologia?

Este artigo pretende refletir sobre essas questões no contexto de minha experiência como pesquisador visitante do King´s College London. A primeira é imediatamente atrelada aos desafios colocados pela pandemia da Covid-19 aos métodos correntes de ensino.  As preocupações sobre o tema são semelhantes tanto nesse instituto quanto na FGV Direito SP, que em pouquíssimo período precisou estruturar e aperfeiçoar uma metodologia que utilizou o ensino à distância, sem comprometimento da qualidade das aulas. Ambas as instituições construíram espaços como salas híbridas para reuniões e aulas.

Outra dificuldade teve relação com o treinamento do corpo docente nesse novo cenário, onde foi necessário aprender a controlar dois ambientes distintos ao mesmo tempo, com o uso de novas tecnologias, como a Meeting Owl Pro, pela KCL ou das salas híbridas pela FGV Direito SP.

 Do tamanho de uma caixa de som portátil, a Meeting Owl Pro é uma câmera de videoconferência inteligente que torna o espaço da reunião ou aula uma sala híbrida. Ela possui autofalante e microfone potentes, além de uma câmera 360° inteligente que foca em até 3 pessoas ao mesmo tempo, além de mostrar ao público online a visão geral da sala. Além do KCL, a tecnologia foi adotada por duas universidades indianas, com muito sucesso.

Além da discussão sobre o ensino híbrido, o KCL fez um experimento para avaliar como dar prosseguimento a esse processo no pós-pandemia. Uma professora do KCL, Andriani Kalantrini, fez um teste com a sua turma de alunos, disponibilizando um feedback oral sobre as notas de cada aluno, postando um áudio com comentários sobre a performance de cada aluno no “e-class” do KCL. Não se pode esperar esse tipo de iniciativa com salas de alunos com mais de 25 discentes, como a própria entrevistada comenta, mas este exemplo pode nos fazer pensar em maneiras de se aproximar o docente ao discente. Em conversa com a professora, percebi que há uma grande preocupação com essa atenção individualizada aos alunos, principalmente no pós-pandemia: ela mencionou que os discentes, agora, procuram “muito mais” esse contato pessoal ou/e físico do que anteriormente.

Por fim, outro foco das entrevistas realizadas com docentes e funcionários do King’s College London (KCL) foi o ensino do Direito e Tecnologia, com foco nas temáticas da Propriedade Intelectual e Direito Autoral na Internet. Uma das maiores dificuldades hoje relatada pelos docentes do KCL é entender, assim como nós no Brasil, se devemos tratar o Direito e Tecnologia como um tema que perpassa todos os temas tradicionalmente lecionados em matérias específicas do Direito (Constitucional, Civil, Penal, etc.) ou se deveríamos ter disciplinas específicas sobre temas específicos do Direito e Tecnologia. Foco de muitos comentários dos docentes do KCL, percebe-se hoje uma relutância em se aproximar de temas que envolvem tecnologia, principalmente pela grande barreira de entrada decorrente da lógica de estudo do campo, dos fundamentos técnicos ou da necessidade de se acompanhar a rápida evolução da tecnologia.

Um exemplo de projeto de ensino exigiu dos alunos que estudaram uma nova tecnologia um exame profundo dos problemas jurídicos com o objetivo de apresentar um posicionamento.

Este tipo de iniciativa revela que o docente não precisa saber sobre cada tecnologia que surge e seu impacto nas relações sociais. O importante é construir uma “roupagem jurídica” dos problemas que os próprios alunos identificaram com o estudo sobre a tecnologia. Isso aumenta o engajamento e o interesse dos alunos pelo estudo de impactos provocados por novas tecnologias, sem precisarmos tratar os temas como disciplinas independentes ou, ainda, sem exigir do docente um conhecimento aprofundado sobre cada tecnologia nova.

*O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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Autor(es)

  • Tatiane Guimarães

    Pesquisadora no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP). Desenvolve pesquisa nas áreas de Direitos Humanos Digitais; Direito Autoral e Ensino Jurídico.

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