Administração

Um novo momento para o e-commerce

Leandro Angotti Guissoni, Tânia Veludo de Oliveira, Thales Teixeira

É praticamente consenso que há grande potencial para a expansão do e-commerce no Brasil. Dados de 2015 do WebShoppers (E-bit) e do Top 500 Guide Internet Retailer mostram que o país é o 10º maior mercado de e-commerce do mundo. Em 2014, suas vendas totalizaram R$ 35,8 bilhões, crescendo 25% em relação ao ano anterior e representando mais da metade das vendas de e-commerce na América Latina (53,3%). O número de compradores on-line passou de 32 milhões em 2011 para 61,6 milhões em 2014. As compras via mobile (efetuadas por tablets ou smartphones) somaram R$ 53 milhões em 2011 e chegaram a quase R$ 3 bilhões em 2014.

No entanto, ainda existem inúmeros desafios a serem superados. Quando comparado a grandes players como China e Estados Unidos, cujo total de vendas em 2014 foi de US$ 315 bilhões e US$ 304 bilhões, respectivamente, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer em direção ao amadurecimento do e-commerce, especialmente em termos de crescimento e rentabilidade.

O que dizem as métricas?

Diversas empresas brasileiras têm se destacado no e-commerce por apresentarem métricas de resultado positivas. O quadro ao lado ilustra alguns exemplos. O questionamento que se coloca aqui é: apesar dos bons resultados, essas corporações têm conseguido lucrar com suas operações? Em outras palavras, as empresas com maiores taxas de conversão ou receitas de venda são as mais rentáveis? O maior ticket médio traduz-se em lucro? Pela primeira vez, as empresas do e-commerce brasileiro são cobradas por gerar rentabilidade, o que representa um grande desafio diante do atual cenário de recessão econômica e da acirrada competição global.

Mudança de discurso

Durante anos, as empresas que operam no e-commerce brasileiro sustentaram a ideia de que estavam dispostas a ter prejuízo em um primeiro momento, para depois lucrarem. O discurso parecia coerente e procedente, pois até mesmo a Amazon levou sete anos para começar a obter lucro nos Estados Unidos.

Contudo, tem havido uma mudança no discurso das empresas. Uma breve análise de um conjunto de reportagens publicadas recentemente em revistas de negócios mostra bem essa transformação. A linha do tempo na página seguinte ilustra esse histórico, que se inicia com a reportagem “O prejuízo que não assusta”, da IstoÉ Dinheiro de 14 de maio de 2014. Neste ano, a B2W cresceu 30,68% e apresentou prejuízo de R$ 159 milhões. A Cnova cresceu 20,97% e teve prejuízo de R$ 28 milhões. A Netshoes, 15,5% de crescimento e R$ 71 milhões de prejuízo. Ou seja, parece que o status quo do e-commerce brasileiro era o prejuízo. Posteriormente, a revista Exame publicou em 1º de setembro a matéria “O paradoxo da internet”, ressaltando que o e-commerce no Brasil tinha alto faturamento, mas não lucrava. Apesar das taxas de crescimento, até quando as corporações conseguiriam operar assim?

O discurso vigente, o qual defendia a obtenção de lucro no longo prazo, começou a mudar em 2015. A reportagem “O sufoco acabou?”, da revista Exame de 18 de fevereiro de 2015, relatou o caso raro da Kanui, empresa do grupo Rocket Internet que vende artigos esportivos e alcançou o breakeven (ponto de equilíbrio, no qual a empresa não apresenta prejuízo). A partir daí, o discurso tem se modificado em direção à expectativa de rentabilidade no segmento. O relatório Latin America 500 afirma que a Netshoes planeja sair do vermelho o quanto antes em suas operações no Brasil. A matéria “Acabou a paciência”, publicada na IstoÉ Dinheiro em 13 de maio de 2015, observou que as empresas estão cansadas de esperar pelo lucro. Por fim, a E-commerce News de 17 de junho de 2015 levantou uma questão que aflige muitas corporações que ainda não atingiram o breakeven: “Crise política, crise econômica, e-commerce sem lucro! E agora, o que fazer?”.

O fato é que as empresas de e-commerce cresceram em um momento econômico favorável do país e agora buscam o breakeven em um período turbulento.

Modelos de negócio para gerar rentabilidade

Muitas organizações que conseguiram a liderança no segmento cresceram com base na atração de investidores. Ou seja, captaram recursos de fundos de investimento. No entanto, agora, estão sendo cobradas pela rentabilidade.

Analisando as empresas de e-commerce que mais cresceram no Brasil em 2014, com base em relatórios do setor, verificamos que elas têm adotado iniciativas diferenciadas, como o aumento da diversidade de produtos, a redução do prazo de entrega, a abertura de novos centros de distribuição, mais investimentos em mobile commerce e ações para trazer praticidade ao cliente. Por exemplo, a B2W adquiriu uma empresa de logística; a Cnova iniciou um serviço que permite ao consumidor comprar pelo site, retirar na loja e parcelar suas compras; o Walmart tem investido na integração das lojas físicas e virtuais; e a Netshoes desenvolveu produtos de marca própria. Todas estão buscando crescer e, principalmente, ter rentabilidade.

Quatro modelos de negócio vêm se destacando nesse momento de transição do e-commerce no Brasil. O primeiro é o de assinaturas, que tem se mostrado promissor por proporcionar estabilidade de receita a quem oferece o serviço e promover a fidelização dos clientes. A Wine. com, que vende vinhos por meio desse modelo, apresenta a maior taxa de conversão na categoria de alimentos (6,8%). Os membros de seu clube são atraídos pela possibilidade de aprender sobre o produto e ter acesso a bons vinhos selecionados por sommeliers.

O segundo modelo é o de marketplace, em que produtos de pequenas lojas são vendidos por grandes varejistas. A B2W, a Cnova e o Walmart estão operando por marketplace no Brasil para aumentar a variedade de ofertas aos clientes. A chinesa Alibaba está abrindo uma plataforma de marketplace para as empresas brasileiras venderem seus produtos aos consumidores chineses. É um modelo que tende a crescer e acirrar ainda mais a competitividade no e-commerce.

O terceiro modelo une o físico e o virtual, partindo da premissa de que a experiência do consumidor só é completa quando integra esses dois tipos de varejo. A Magazine Luiza foi uma das primeiras redes de varejo no país a oferecer a opção de comprar na loja física ou na virtual. Muitas lojas tradicionais abriram sites e passaram a operar também no e-commerce. Além disso, hoje em dia há um interessante movimento na contramão dos anteriores: lojas que nasceram na internet, totalmente digitais, estão abrindo unidades físicas. Por exemplo, a Oppa (móveis e design de objetos) abriu showroons nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília para expor seus produtos e oferecer uma experiência diferenciada aos consumidores.

O quarto e último é o das franquias digitais. Magazine Luiza e Natura têm investido fortemente nesse modelo, que permite a qualquer um se tornar consultor de uma loja virtual. Tais consultores recebem comissão pela venda dos produtos, tendo liberdade para operar e gerenciar sua loja virtual, sempre contando com a estrutura de apoio das empresas a que estão ligados.

Os modelos de negócio apresentados estão longe de encerrar a discussão pela busca de rentabilidade. Trata-se de iniciativas com o potencial de alterar a realidade das empresas em um momento complexo de transição do e-commerce, no qual crescer já não é uma opção e lucrar é sinônimo de sobrevivência no mercado. Certamente surgirão novos modelos e iniciativas com a difícil missão de resolver a equação: como crescer sem abdicar da rentabilidade?

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Autores

  • Leandro Angotti Guissoni
  • Tânia Veludo de Oliveira
    Professora da Escola de Administração de Empresas (FGV EAESP), atuando com educação executiva, cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) e graduação. PhD em Marketing & Strategy pela Cardiff…  ver mais
  • Thales Teixeira
    Professor da Harvard Business School. Cofundador da Decoupling.co. Pesquisa sobre disrupção digital e economia da atenção. Presta constuloria para altos executivos em mais de 15 empresas…  ver mais

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a), não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.