O Brasil vai liderar pelo exemplo: COP30 e o fundo das florestas tropicais
O Fundo de Florestas Tropicais para Sempre é um modelo autossustentável de financiamento proposto pelo Brasil na COP28. A expectativa é de que, durante a COP30, outros países anunciem suas contribuições
O presidente Lula anunciou aporte de US$ 1 bilhão no Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). Em discurso, frisou que "os recursos para conservação (de florestas) são escassos" e que "não haverá solução possível para as florestas tropicais sem o protagonismo de quem vive nelas".
O TFFF é o mais novo instrumento de uma extensa lista de iniciativas internacionais de governança de florestas, que teve início com a Conferência de Estocolmo em 1972, quando 113 países reconheceram a importância de uma ação coordenada no seu monitoramento e conservação. Tornando-se cada vez mais ambiciosas, as metas de conservação vêm sendo constantemente atualizadas. Em 2021, em Glasgow, a Declaração dos Líderes sobre Florestas e Uso da Terra estabeleceu o compromisso de desmatamento zero até 2030.
Os grandes países emissores também apresentam legislações ambiciosas: com o Lacey Act, os Estados Unidos proíbem a comercialização de plantas que tenham sido extraídas em violação a alguma lei estadunidense. No Reino Unido, a Forest Risk Commodity Regulation visa restringir a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas. Já na China, a Lei de Florestas obriga o Estado, proprietário das florestas, a adotar metas de responsabilidade e performance em relação aos recursos florestais.
No âmbito regional, a União Europeia adotou o Regulamento Anti-Desmatamento, medida baseada em mercado que busca impor aos comerciantes obrigações de diligência para evitar que commodities fruto de desmatamento sejam comercializadas na região. A norma teve sua vigência alterada para o fim de 2025, contudo, e há indicativos de que um novo pedido de adiamento possa mudar a vigência para o fim de 2026.
Apesar de décadas de compromissos, o desmatamento persiste, tendo o mundo perdido 28,3 milhões de hectares de florestas em 2023. Nesse âmbito, o TFFF surge como uma promessa de mecanismo inovador, com o racional subjacente de tornar a conservação economicamente vantajosa.
Apresentado pelo Brasil durante a COP28, o Fundo busca recompensar financeiramente países que conservem suas florestas tropicais por meio de pagamentos anuais vinculados à verificação por satélite da preservação de hectares de floresta. A iniciativa é organizada em dois braços: um fundo de investimento, TFIF, que mobilizará recursos públicos e privados para financiar os pagamentos aos países participantes; e a Tropical Forest Facility, TFF, a qual será responsável pela gestão do programa — o que inclui coordenar o sistema de monitoramento de florestas e fazer a gestão do sistema de recompensas.
O Fundo adota um modelo autossustentável ao prever, pelo TFIF, o investimento em títulos de renda fixa no mercado internacional, para gerar retornos superiores ao custo de capital. O objetivo é criar incentivos previsíveis e de longo prazo. Assim, entes públicos e privados investirão no Fundo — o qual gerenciará os recursos, aportando seu capital em um portfólio de ativos de renda fixa, gerando retorno financeiro em um spread esperado de 2,5 a 3% ao ano. Com os dividendos, será feito o pagamento da dívida sênior e dos juros sobre o capital investido. Ao fim, os pagamentos para os Estados-membros que conservaram suas florestas serão feitos.
Cada país participante poderá receber até US$ 4 por hectare preservado, com descontos proporcionais em casos de desmatamento: para cada hectare desmatado, até 100 hectares deixam de ser remunerados. Pelo menos 20% dos recursos devem chegar diretamente a povos indígenas e comunidades locais. A expectativa é de que o TFFF triplique o volume atual de financiamento internacional não reembolsável para florestas.
Ao anunciar a contribuição bilionária no Fundo, Lula disse que o Brasil lideraria pelo exemplo, ao ser o primeiro país a se comprometer com o TFFF. A expectativa é de que, durante a COP30, outros países anunciem suas contribuições. Ao adotar um modelo autossustentável de financiamento, o TFFF se diferencia de iniciativas existentes de financiamento climático, as quais são inexoravelmente dependentes de doações ou são quase que exclusivamente formadas por aportes governamentais.
Ainda pairam dúvidas, contudo, sobre a real participação das comunidades locais no Fundo, tanto na gestão quanto no recebimento de benefícios. A natureza dos investimentos feitos pelo TFIF também deverá ser acompanhada com cautela para evitar que, em nome do combate ao desmatamento, não sejam feitos investimentos ambientalmente irresponsáveis.
*Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense em 29/10/2025
Autores

Paula Wojcikiewicz Almeida
Professora da FGV Direito Rio, coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges, co-financiado pela Comissão… ver maisPaula Wojcikiewicz Almeida
Professora da FGV Direito Rio, coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges, co-financiado pela Comissão Europeia. Doutora summa cum laude em Direito Internacional e Europeu pela École de droit de l’Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

Mariana de Brito Mariani
Pesquisadora no Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) da FGV Direito Rio. Mestre em Direito Internacional Summa Cum Laude pela Universidade de Glasgow, com especialização em Direito Ambiental e… ver mais
Mariana de Brito Mariani
Pesquisadora no Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) da FGV Direito Rio. Mestre em Direito Internacional Summa Cum Laude pela Universidade de Glasgow, com especialização em Direito Ambiental e Direitos Humanos pela Universidade de Leuphana (LL.M). Mestre em Ciência Política com especialização em Segurança Internacional Summa Cum Laude pelo Instituto de Estudos Internacionais de Barcelona (MSc). Bolsista da Comissão Europeia no programa Erasmus Mundus Join Master Degree - Mestrado em Direito Internacional da Segurança Global, Paz e Desenvolvimento. Bacharel em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.