O que ocorre com o PIB?
Já se sabia que a catástrofe do Rio Grande do Sul, que praticamente paralisou a economia local, não teria os danos que se esperava sobre o PIB nacional, pois a recuperação foi mais rápida do que o previsto.
Depois que o IBGE divulgou o PIB do segundo trimestre no último dia 3 de setembro, com um crescimento de 1,4% sobre o primeiro trimestre, todo mundo começou a quebrar a cabeça para entender o que ocorreu. Afinal, a média das previsões do mercado apontava para um avanço entre 0,9% e 1%. Os erros de previsões já haviam ocorrido em 2022, quando a economia cresceu 3%, e em 2023, quando o avanço foi de 2,9%. Ou seja: não está se conseguindo medir e projetar como está indo a economia.
Lendo o que saiu nos jornais, nas televisões, não consegui chegar a uma conclusão, a não ser que todo mundo ficou meio perdido. As explicações são muitas, mas alguma coisa deve estar ocorrendo no miolo da economia que não está se conseguindo compreender ou captar.
Já se sabia que a catástrofe do Rio Grande do Sul, que praticamente paralisou a economia local, não teria os danos que se esperava sobre o PIB nacional, pois a recuperação foi mais rápida do que o previsto. Também era meio senso comum que o setor agropecuário teria uma menor contribuição para a atividade econômica, depois dos excelentes resultados do primeiro trimestre: houve, realmente, uma queda de 2,3% no segundo trimestre. Outra unanimidade é que o mercado de trabalho está aquecido, com a taxa de desemprego caindo e o rendimento médio dos trabalhadores crescendo. A massa salarial está subindo a 8% ao ano, em termos reais, e os salários médios estão beirando crescimento da ordem de 5% ao ano. E havia sinais de que os investimentos, que já haviam crescido no primeiro trimestre, manteriam essa trajetória no segundo, o que realmente ocorreu – cresceram 2,1% sobre o trimestre anterior. Ou seja: tudo apontava para que o PIB continuasse sua trajetória de alta.
Mas o crescimento de 1,4% surpreendeu a todos, cravando que poderemos fechar o ano com um PIB perto dos 3%. Isso se mais nenhuma surpresa vier pela frente, com os dados do terceiro trimestre. Ter crescimento é sempre bom, mas temos que analisar de que forma isso está ocorrendo. Se é uma trajetória sustentável.
Taxa de crescimento do PIB trimestral
Fonte: IBGE
Se olharmos com atenção os números que o IBGE divulgou, uma coisa salta aos olhos: o consumo do governo que avançou 1,3% no segundo trimestre, reforçando a política de aumento de gastos, o que tem trazido preocupações sobre a sustentabilidade fiscal da dívida pública. Mas isso também eram favas contadas. Só não se sabia a extensão desse aumento dos gastos.
Segundo o IBGE, essa expansão tem explicações: o calendário eleitoral que antecipa despesas para a primeira metade do ano, e os gastos para combater as enchentes no Rio Grande do Sul. Também incharam esses gastos o aumento no número e na remuneração dos funcionários públicos.
Mas o grosso disso parece ter endereço: as transferências de renda através dos programas sociais, o que tem gerado uma gradativa distorção estrutural na economia, já que os rendimentos do trabalho têm caído, enquanto tem aumentado a renda das pessoas através de repasses governamentais. É como diz o ditado popular: estamos dando o peixe, mas não estamos ensinando como pescá-lo.
Trabalho recente feito pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE, que foi destaque na mídia, mostra que a participação do trabalho na renda caiu de 75,3%, em 2021, para 74,2%, em 2023. Já a renda vinda de programas sociais, no mesmo período, pulou de 2,6% para 3,7%. No Nordeste, esse percentual subiu de 6,8% para 9,7%. O que, sem dúvida, é um problemão, pois os recursos para financiar esses aumentos com o atual quadro fiscal acabam piorando a percepção de uma busca pela sustentabilidade fiscal por parte do governo. O que traz insegurança para atração de novos investimentos.
Reveja: Economia cresce. Questões estruturais persistem.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, diz que o resultado do PIB do segundo trimestre confirma que a economia está crescendo acima de seu potencial, o que já tinha sido alertado pelo Banco Central em seu relatório de junho, quando sinalizava para um aperto nas condições da economia, o que aumenta as chances de que os juros voltem a subir na reunião do Copom nos próximos dias 17 e 18 deste mês.
Leia: “A foto é boa, mas é preciso olhar o filme”, afirma Silvia Matos sobre o PIB do segundo trimestre.
Além do consumo do governo, outra alavanca do crescimento do PIB, que vem se mantendo já há bastante tempo, é o consumo das famílias que, com um mercado de trabalho aquecido e aumento do rendimento médio, em grande parte engordado pelas transferências de renda, cresceu 1,3%. Isso também já estava nas contas dos economistas. Como o consumo do governo, a extensão disso é que era o xis da questão.
Como já alertou Matos, a economia brasileira está crescendo acima de seu potencial – que, grosso modo, é representado pelo PIB potencial, que é a capacidade produtiva de uma nação crescer sem pressionar a inflação – e a pergunta que fica é até quando isso irá perdurar, já que a política fiscal expansionista que o governo vem lançando mão não vai conseguir sustentar o crescimento por muito tempo. Também, se o Copom em sua próxima reunião aumentar os juros – embora os impactos irão demorar um pouco para ter efeitos sobre a economia – como vai bater na taxa de investimentos que, embora em níveis baixos, na faixa dos 16%, poderá voltar a recuar. E deve afetar o consumo das famílias. Das muitas dúvidas, mais uma: será que, embora em patamares baixos, os investimentos na economia estão ficando mais eficientes? Valeria um estudo mais aprofundado sobre isso.
Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, em sua coluna Ponto de Vista na revista Conjuntura Econômica deste mês, ressalta que o atual governo “puxa o crescimento liderado pela demanda até o limite da capacidade produtiva da economia. Em algum momento virá um ajuste. Não conseguimos aprender que a estabilidade da economia com a máxima suavização do ciclo econômico é um dos fatores mais importantes para gerar previsibilidade e estímulo ao investimento a longo prazo”.
Embora o lema de boa parte do governo seja de que “Gasto é Vida”, o buraco parece estar mais embaixo.
Este artigo foi publicado no Blog da Conjuntura Econônima em 6 de setembro de 2024.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
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