Um olhar sobre a greve dos aeronautas
Quando surge uma greve como essa dos aeronautas, logo nos lembramos da impactante greve nacional dos caminhoneiros, no final de maio de 2018, considerada a maior da história da categoria, com duração de 10 dias de paralisação completa, prejuízos estimados em R$ 75 bilhões, em vários setores, e revisão do crescimento do PIB para menos de 2% naquele ano. Sem contar os malefícios intangíveis causados à população brasileira. O motivo dessa greve foi o aumento no valor dos combustíveis.
Além das lembranças traumáticas, sempre questionamos a justeza, a tempestividade e a eficácia desse tipo de luta reivindicatória por direitos trabalhistas e benefícios econômicos. No entanto, a greve encontra-se regulamentada pela Lei 7.783/1989 e é um direito garantido pela Constituição Federal, que em seu artigo 9º assegura aos trabalhadores esse direito como meio de defender seus interesses sociais e trabalhistas.
Como não tenho competência para entrar no mérito legal dessa greve que ocorreu nas vésperas das festas de final de ano, apenas levantarei alguns pontos para uma reflexão sobre as consequências das paralisações dos aeronautas nos aeroportos de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza, para reivindicações de reajuste salarial acima da inflação e melhores condições de trabalho.
Devemos considerar que ambos os lados, ou seja, aeronautas e companhias aéreas, sofreram grandes perdas com a pandemia que vem atingindo todo o planeta, cujo ápice ocorreu durante 2020 e em grande parte de 2021. Em meados de 2020, a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA) previa que o mercado global voltaria ao patamar de 2019, somente em 2024. Nesse período, segundo a Bloomberg, houve cerca de 400 mil demissões de pilotos, tripulantes e pessoal de terra, em todas as companhias aéreas do mundo. Nos setores relacionados, as demissões podem ter atingido 25 milhões de funcionários de fabricantes de aeronaves, motores, aeroportos, agências de viagens, hotéis, entre outros.
O setor de aviação foi um dos mais atingidos, visto que o transporte aéreo parou, exclusivamente devido às restrições nas fronteiras e à falta de demanda por viagens de negócios e de turismo, domésticas e internacionais.
No Brasil, os aeronautas começaram a sofrer as consequências da pandemia no início do segundo semestre de 2020, quando ocorreram acordos trabalhistas para reduções temporárias de salários e de jornada de trabalho e demissões em pequena escala. Desde o início de 2022, o setor aéreo nacional vem se recuperando e as contratações estão sendo retomadas, conforme o ritmo de crescimento da demanda, mas os aeronautas entendem que precisam de aumentos salariais acima da inflação e de melhores condições de trabalho, apesar de terem recebido os reajustes legais integrais nos últimos anos.
Cabe lembrar que as companhias aéreas precisam recuperar os níveis de receitas do período anterior à pandemia para que possam atender às reinvindicações dos aeronautas. Segundo dados da ANAC, as movimentações de passageiros em todos os aeródromos e aeroportos brasileiros ainda não atingiram os níveis pré-pandêmicos. Até outubro deste ano, os voos domésticos atingiram cerca de 86% do movimento de passageiros de 2019. No caso dos voos internacionais, o movimento chega a 76%. O transporte de cargas aéreas vem se recuperando melhor, sendo que os movimentos nos voos domésticos chegaram a 88% de 2019, e as movimentações de cargas internacionais cresceram 18% em relação a 2019.
De certa forma, o setor aéreo nacional encontra-se em um período de retomada da demanda por viagens, tanto domésticas, como internacionais, com proximidade da recuperação total, que poderá acontecer no final de 2023 ou início de 2024.
Todavia, esse cenário poderá não se confirmar caso haja turbulências ao longo da rota, tais como fortes pressões sobre os custos das companhias aéreas, principalmente decorrentes de aumentos salariais acima de suas capacidades de geração de receitas, e também da equivocada política atual de preços do querosene de aviação, que representa mais de 40% dos custos operacionais, sem falar da conjuntura econômica dos próximos anos, no que diz respeito à inflação, níveis das taxas de juros e cotação do dólar americano.
Por fim, quero ressaltar a importância do rápido acordo feito para o término da greve, no qual prevaleceu o bom senso e a racionalidade, uma vez que greve alguma é saudável para a sociedade como um todo, mesmo que sejam greves consideradas justas e legais, pois todos são atingidos negativamente de alguma forma, inclusive os grevistas e as empresas empregadoras.
No presente caso, o setor de turismo, grande gerador de renda e de empregos, seria fortemente prejudicado com uma greve de longa duração, assim como a indústria, comércio e serviços que dependem das viagens aéreas para movimentar seus executivos, funcionários e diversos produtos de alto valor agregado. Isso criaria o conhecido círculo vicioso de perdas para todos: empresas não vendem passagens, empresas sem receitas, fluxo de caixa negativo, salários atrasados, fornecedores sem receber, pressão sobre os custos, aumento dos preços das passagens, empresas não vendem passagens, e assim por diante.
Vale lembrar que os aviões precisam voar e aviões no chão não geram receitas. Todos aqueles que dependem do setor aéreo precisam dos aviões no ar, voando.
Boa sorte e sucesso aos aeronautas e às companhias aéreas brasileiras. Feliz 2023!