Planos de saúde e a migração para os modelos coletivos
No sistema atual, regido pela Lei 9.656/98, os planos de saúde se apresentam como divididos em dois grandes modelos de contratação. O artigo 16, VII, é claro ao afirmar que os planos podem ter dois "regimes" distintos, individual ou coletivo, e o coletivo dividido em duas modalidades, por adesão ou empresarial. Os planos individuais se caracterizam por uma rígida proteção do usuário, que não pode ser submetido a reajustes superiores aos autorizados pela ANS, nem sofrer rescisão unilateral. Não dependem da formação de um grupo, de uma coletividade, podendo ser contratados sem a adição de outros usuários.
Os planos individuais, imaginou o legislador, seriam o padrão de contratação mais usual, sendo os planos coletivos reservados para situações nas quais houvesse a busca por vantagens negociais efetivas, que decorressem de um grupo associativo real ou ainda de um grupo de pessoas ligadas a uma empresa.
Em contrapartida, a relação cobertura/prestação mensal é otimizada por estes fatores, resultando em valores substancialmente mais aceitáveis, que fazem frente a uma cobertura mais ampliada. Existe mesmo um certo desinteresse de algumas operadoras (mas não de todas) em comercializar planos individuais, face à maior flexibilidade negocial e menor carga de direitos mínimos obrigatórios incidentes nos planos coletivos. O surgimento das administradoras também acelerou este processo.
Ocorre que essa divisão estanque começou há cerca de cinco anos a ser desconstruída, diante da admissão, por órgãos reguladores, estudiosos, e pelos julgados dos tribunais, da aplicação de proteções típicas dos planos individuais a determinados pequenos grupos (que denominaremos de microgrupos). Este fenômeno adiciona mais uma camada à análise: em vez de se falar apenas em coletivização, já se admite uma "falsa coletivização", ou seja, que em alguns casos não estão presentes "verdadeiras" características grupais, devendo ser expandidas tutelas para grupos que podem ser tão pequenos quanto apenas duas pessoas. Mas seria teoricamente esta construção aceitável, e se for, será desejável?
Qualificação dos contratos e planos de saúde
Existe suporte teórico para que um contrato, conquanto nominalmente direcionado a um regime, seja associado a outro, em virtude da identificação de elementos que assim o justifiquem. Trata-se da aplicação da teoria da qualificação dos contratos, tratada com profundidade em Portugal e bem debatida já por autores brasileiros. Esta teoria justifica a legitimidade conceitual para, dentre outras considerações, combinar ou desviar efeitos de diferentes contratos. Além disso, com seu amparo é possível reconhecer a formação de um "tipo" social, não previsto em lei, mas oriundo do comportamento reiterado de partes, que, em um primado da boa-fé objetiva, comportam-se como se contratos de uma dada característica fossem do mesmo tipo. As condutas esperadas e previsíveis passam a ser de certo modo obrigatórias, e um novo tipo de contrato é reconhecido.
É exatamente isso que fazem os tribunais nacionais ao reconhecer esse novo "tipo" — realidade jurídica autonomizada, associável a um regime jurídico, com contornos próprios — que é por eles denominado "plano de saúde falso coletivo". Particularmente, não pensamos que esse seja o melhor nome, visto insinuar uma tentativa de burla ou simulação. Na verdade, a possibilidade de busca de um negócio interessante para ambas as partes o fomenta. Preferiríamos o nome microgrupo ou coletivo de pequenos grupos, porque é este dado objetivo, e não propriamente uma falsidade, que individualiza e caracteriza essa situação contratual. É esse o elemento definidor. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu os planos com menos de trinta beneficiários (ou menos) como sendo pertencentes a este outro regime jurídico contratual.
O Superior Tribunal de Justiça admitiu, é importante dizer, não a aplicação da proteção legal aos planos familiares tout court, mas o reconhecimento dos planos de microgrupos como figura híbrida, capaz de atrair proteções (como a vedação à rescisão imotivada), mas com temperamentos. Todavia, nas duas características especiais dos planos coletivos, já é possível verificar que a equiparação já está se materializando, e que a atração do regime protetivo é relevante.
Conclusão: uma crítica à luz da lei de liberdade econômica
A admissão de um tipo contratual próprio, com regime distinto, deve ser cotejada com as disposições da Lei de Liberdade Econômica, nas alterações por ela trazidas ao artigo 421 do Código Civil, em especial quando o microgrupo está associado a uma empresa (contratos coletivos empresariais). Neste caso, vale a crítica de que este contrato deve ser entendido a priori como paritário (Código Civil, art. 421-A), e que a alocação inicial de riscos deve ser respeitada.
O surgimento dos microgrupos é resposta econômica válida do ponto de vista da formação de preço. Admitir que existe liberdade negocial de entrada (para formar tais grupos e contratar serviços e preços competitivos) mas não liberdade de saída (no momento da crise contratual) seria dar tratamento diverso, em momentos diversos, aos mesmos contratantes. Tal atitude não seria paritária. Como efeito econômico, haveria desestímulo para a contratação com microgrupos (como ocorreu nos contratos individuais), ou ainda impacto severo nos preços. Neste particular, proteger desmesuradamente os microgrupos pode semear a extinção desta forma de contratar.
Ademais, a ausência de regulação dos planos coletivos, existindo autoridade que poderia fazê-lo, apenas sinaliza para o espaço da liberdade contratual, que é regra e não exceção. As alterações no art. 421 do Código Civil reforçam tal leitura, sendo certo que o Código Civil foi alterado, mas a Lei 9.565/98 segue amparando a liberdade para contratar planos coletivos. Devemos estar vigilantes para os próximos desdobramentos, nunca descuidando do frágil equilíbrio no qual se ampara este mercado.