R$ 10 bilhões para o Fundo Clima: Mudanças climáticas pedem mais do que cifras
O aquecimento global, suas causas e consequências, já deixou de ser um debate restrito aos fóruns científicos. Hoje, evidencia-se como um desafio real, cotidiano e, sobretudo, coletivo. As mudanças climáticas não reconhecem fronteiras nacionais: o derretimento de geleiras em outros continentes, o avanço do nível do mar, ou as mudanças nos regimes de chuva afetam diretamente a vida aqui no Brasil.
Nesse cenário, ganha destaque o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, conhecido como Fundo Clima, operado pelo BNDES. Em março de 2025, o banco aprovou mais de R$ 10 bilhões para o financiamento de projetos voltados à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com ênfase em iniciativas ligadas à energia renovável. Trata-se de uma cifra expressiva, quase dez vezes maior que a de 2022, e que parece refletir um esforço governamental, ainda a ser aprimorado, em promover uma economia mais verde e resiliente.
O Fundo é um instrumento da política pública ambiental brasileira e encontra respaldo no artigo 225 da Constituição Federal, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Essa iniciativa se trata de uma concretização prática do princípio da prevenção – uma diretriz constitucional que exige ações proativas frente aos riscos ambientais. Nesse sentido, o Fundo Clima contribui para a institucionalização de mecanismos de financiamento voltados à mitigação e adaptação, permitindo que políticas ambientais sejam sustentadas por uma lógica econômica e orçamentária concreta. Ainda assim, embora celebrado e necessário, o simples aporte de recursos não garante per se a transformação estrutural esperada no enfrentamento à emergência climática.
É preciso reconhecer as limitações. Os recursos do Fundo, embora robustos, não são suficientes para enfrentar, isoladamente, os desafios de uma transição energética. É fundamental que estejam articulados a outras políticas públicas, com regulações claras e bem estruturadas, planejamento setorial de longo prazo e participação social. Investir apenas na expansão de fontes renováveis, sem promover sua integração com estratégias mais amplas de desenvolvimento regional, políticas industriais voltadas à inovação tecnológica e mecanismos de capacitação técnica para entes subnacionais, é reduzir a complexidade do problema.
Instrumentos de avaliação de impacto, monitoramento contínuo e prestação de contas devem acompanhar a execução dos projetos financiados. Medidas como a revisão dos subsídios aos combustíveis fósseis, a modernização das redes de transmissão e o fortalecimento institucional das agências reguladoras também são necessárias para consolidar um ambiente propício à transição. Sem esses elementos, o risco é o de fragmentação das ações e desperdício de recursos em soluções pontuais ou desconectadas das reais necessidades territoriais.
Além disso, é essencial destacar que algumas ações incoerentes do próprio governo comprometem os avanços nessa agenda. Por exemplo, decisões que priorizam combustíveis fósseis ou políticas que flexibilizam a exploração em áreas ambientalmente sensíveis contradizem os esforços por uma transição energética sustentável. Essa falta de alinhamento entre estratégias governamentais mina a confiança e a eficácia das iniciativas.
Mais do que uma fonte de crédito, o Fundo Clima deve ser entendido como parte de uma engrenagem maior. O seu sucesso depende da qualidade dos projetos financiados, da capacidade técnica dos entes envolvidos e, principalmente, da integração com estratégias públicas e privadas voltadas à adaptação, mitigação e resiliência climática. Em tempos de crescente urgência climática e de tensões políticas em torno do tema, é relevante o fortalecimento de iniciativas como essa — mas os desafios climáticos exigem esforços articulados, contínuos e colaborativos entre múltiplos atores institucionais, sociais e econômicos.
*Artigo publicado originalmente no jornal Estadão em 24/04/2025
Autores
Isabel Veloso
Professora Adjunta da FGV Direito Rio e Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), com foco nas seguintes áreas: Direito da Concorrência, Instituições (Poder Legislativo e Poder… ver maisIsabel Veloso
Professora Adjunta da FGV Direito Rio e Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), com foco nas seguintes áreas: Direito da Concorrência, Instituições (Poder Legislativo e Poder Judiciário) e Transição Energética. Doutora e Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ), com ênfase em métodos quantitativos. Possui pós-graduação em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e é graduada em Relações Internacionais pela UFF.
Layla McClaskey