Economia

Razões do fraco desempenho econômico da América Latina

Autor
Fernando Veloso
Data

Após um período de crescimento econômico e redução da desigualdade nos anos 2000, a América Latina perdeu dinamismo a partir do fim do boom de commodities na década passada. Esse quadro foi agravado pela pandemia e as perspectivas para os próximos anos são pouco animadoras.

Um relatório divulgado semana passada pelo Group of Thirty (G30) Working Group on Latin America (“Why Does Latin America Underperform?”), liderado por Arminio Fraga e Guillermo Ortiz, procura entender por que nas últimas décadas a América Latina não tem reduzido de forma significativa a distância em relação às economias avançadas.

Entre 1990 e 2019, o produto per capita cresceu em média 1,73% ao ano (a.a.) na América Latina e Caribe, pouco acima do desempenho das economias avançadas (1,68% a.a.) e bem abaixo da performance da Ásia Emergente (3,90% a.a.). Isso é surpreendente, já que mecanismos de convergência, como retorno elevado do capital (devido à sua escassez) e adoção de tecnologias deveriam ter contribuído para que a América Latina tivesse crescimento bem superior ao dos países desenvolvidos.

Um exercício de contabilidade das fontes de crescimento da América Latina ao longo desse período revela que a contribuição da produtividade total dos fatores (PTF) foi ligeiramente negativa (-0,03% a.a.) e a do capital físico foi nula. O crescimento do produto per capita resultou inteiramente da contribuição do capital humano (0,82% a.a.) e do aumento da proporção de trabalhadores em relação à população (0,94% a.a.), decorrente em grande medida da elevação da taxa de participação das mulheres na força de trabalho.

Na medida em que tanto a acumulação de capital humano como a contribuição do fator trabalho tendem a diminuir ao longo do tempo, esses números sugerem que o crescimento da América Latina tende a ser ainda menor nos próximos anos. Nesse sentido, é particularmente preocupante que a PTF não tenha crescido desde 1990.

Dentre as razões para o desempenho desastroso da PTF na América Latina, o relatório do G30 destaca dois tipos de distorção na alocação dos recursos (misallocation) que são endêmicos na região.

O primeiro está relacionado a distorções na alocação de recursos entre empresas de um mesmo setor. Em uma economia com grau adequado de competição, empresas pouco produtivas deveriam sair do mercado e liberar os fatores de produção (capital e trabalho) para serem utilizados pelas empresas mais produtivas. No entanto, políticas de incentivo governamental, como regimes tributários especiais, crédito subsidiado e barreiras comerciais, acabam muitas vezes favorecendo empresas ineficientes e distorcendo a alocação dos recursos. A consequência é uma proporção elevada de empresas de baixa produtividade, em geral pequenas e informais.

O segundo tipo diz respeito a distorções na alocação de recursos entre empresas de diferentes setores. O relatório enfatiza o fato de que em vários países da América Latina as atividades exportadoras, que tendem a atrair empresas de produtividade elevada, têm sua competitividade afetada por falhas de mercado (como problemas de coordenação) ou falhas de governo (como tributação das exportações).

Essas distorções, por sua vez, podem resultar de diversos fatores presentes na região, como instabilidade macroeconômica e política, baixa qualidade institucional, captura de políticas públicas por grupos de interesse, corrupção, etc.

O relatório mostra, no entanto, que por trás dessas semelhanças existem diferenças significativas entre os países. Neste sentido, os países são agrupados em quatro grupos com síndromes específicas.

A primeira síndrome, denominada “instabilidade macroeconômica endêmica”, atinge particularmente a Venezuela, Argentina e Equador. A Venezuela é o destaque negativo, com uma combinação trágica de uma queda de dois terços do PIB entre 2014 e 2020 e uma hiperinflação. O caso da Argentina também é conhecido, com inflação de quase 95% em 2022 e dificuldade de financiamento da dívida.

A segunda síndrome é menos óbvia. Denominada “estabilidade macroeconômica com crescimento declinante”, ela abrange quatro países (Colômbia, Chile, Peru e Uruguai) que, apesar de terem inflação baixa e contas públicas sob controle, não conseguiram sustentar taxas elevadas de crescimento. Dentre as possíveis explicações, o relatório destaca falhas de mercado envolvendo problemas de coordenação e falhas de governo, como infraestrutura deficiente e provisão insuficiente de bens públicos.

Um caso ainda mais surpreendente é do México (terceira síndrome) que, além de estabilidade macroeconômica, implementou inúmeras reformas e tornou-se uma potência exportadora (40% do PIB), com forte concentração de produtos manufaturados (80% da pauta exportadora). Apesar disso, o crescimento nas últimas décadas foi medíocre. Uma das possíveis explicações, atribuída a Santiago Levy, é que o financiamento de políticas sociais teve o efeito colateral de penalizar as empresas mais produtivas e estimular a informalidade.

Outro caso à parte é o Brasil, cuja síndrome é caracterizada por desempenho macroeconômico medíocre, distorções microeconômicas e captura do Estado por grupos de interesse. O resultado é um ambiente de negócios hostil ao empreendedorismo e uma instabilidade macroeconômica que resultou em duas décadas de queda da renda per capita (1980 e 2010) nos últimos 40 anos. Segundo o relatório, uma restrição particularmente forte ao crescimento é a combinação de baixa poupança com déficits governamentais elevados, resultando em taxas de juros reais muito elevadas.

Em resumo, apesar de muitas semelhanças, existem diferenças significativas entre os países da América Latina, o que por sua vez resulta em prescrições distintas de política econômica. Embora seja condição necessária, a estabilidade macroeconômica não é suficiente para gerar crescimento. Cada país precisará encontrar formas de superar os obstáculos de seu ambiente de negócios e lidar com suas circunstâncias sociais e políticas específicas.

O artigo foi originalmente publicado no Blog do IBRE, em 18 de setembro de 2023.

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