A responsabilidade do/a síndico/a nos casos de violência doméstica

A lei foi merecidamente celebrada e busca romper com as ocorrências disseminadas pelo país de que brigas entre casais devem ser resolvidas apenas no ambiente privado e íntimo da família.

Direito
10/02/2022
Luciano de Souza Godoy

Como noticiado em setembro de 2021, foi aprovada, sancionada e publicada no Lei Estadual 17.406/2021, com vigência em todo o Estado de São Paulo, que cria uma nova obrigação aos condomínios residenciais ou comerciais – combater a violência doméstica. Se traz obrigação ao condomínio, imputa ao seu representante legal (os síndicos/as ou administradores/as) o dever legal de denunciar às autoridades competentes “a ocorrência ou indícios de episódios de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos”.

A lei foi merecidamente celebrada. Busca romper com as ocorrências disseminadas pelo país de que brigas entre casais devem ser resolvidas apenas no ambiente privado e íntimo da família – o famoso bordão “em briga de marido e mulher não se mete a colher”! Essa cultura ultrapassada é criticada em campanhas de conscientização e movimentos de denúncia à violência doméstica por um rompimento do silêncio por parte dos vizinhos, da comunidade do condomínio e, em particular, atribui ao síndico um olhar mais amplo e criterioso do que ocorre no edifício sob sua gestão.

A norma prevê que a denúncia deve ser realizada de imediato em ocorrências em andamento ou em até 24 horas após a ciência do fato, com informações que permitam às autoridades identificar vítima(s) e agressor. E por último, obriga os condomínios a afixar, nas áreas de uso comum, cartazes que informem e incentivem os condôminos a notificarem a ocorrência de casos de violência doméstica ou familiar nas unidades condominiais.

Uma das principais preocupações quanto à aplicação da nova lei se refere a ausência de penalidade prevista para descumprimento da obrigação de comunicação. Segundo notícia publicada no site da Assembleia Legislativa de São Paulo, o artigo que previa multa de R$ 2.900,00 para tais casos foi vetado pelo Executivo[1], isto é, no Estado de São Paulo ainda não há pena pecuniária. Outros Estados que já possuem a mesma previsão legal chegam a impor multas de até R$ 10.000,00[2].

Com ou sem penalidade, não deixa de ser uma lei importante na construção de responsabilidade coletiva e social em torno do combate à violência doméstica e familiar.

Sabemos que os síndicos em geral centralizarão essa função, até por que é responsabilidade deles “representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”, segundo o que dispõe o inciso II, do artigo 1348 do Código Civil.

Contudo, devemos nos preocupar em instruir e garantir que os síndicos, mas especialmente as síndicas dos condomínios estejam preparadas e saibam como intervir nas ocorrências de violência doméstica de forma segura para elas e para as vítimas.

Será interessante que as empresas administradoras capacitem pessoas que exercem essa função por meio de cursos e ofereçam instrumentos que garantam o cumprimento da nova obrigação legal, que ainda será regulamentada pelo Governo do Estado de São Paulo. Mas é também responsabilidade do condomínio garantir o exercício da atividade de síndico sem risco.

Se a pena pecuniária foi vetada na lei paulista, nada impede que os condomínios estabeleçam normas internas em seus estatutos e regimentos com multas aos infratores, até mesmo com possibilidade de exclusão do condômino antissocial.

Mecanismos como aplicativos com botões de socorro, canais de denúncia anônima entre os condôminos e síndicos, dentre outros, podem ser uma boa forma de estender e coletivizar a responsabilidade para se garantir o cumprimento da lei, a segurança de todas as partes, enaltecendo o valor que a nova lei traz – romper o silêncio da violência doméstica nos apartamentos.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Luciano de Souza Godoy

    Professor da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP). Doutor e Mestre em Direito pela USP, Visiting Scholar pela Columbia Law School. Foi Procurador do Estado de São Paulo (1993/1998), Juiz Federal junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (1998/2007) e Executivo Jurídico do Departamento Jurídico do Santander (2007/2008) e da CSN (2008-2011). É membro do Conselho Consultivo do Centro de Arbitragem da AMCHAM/Brasil, do Conselho Jurídico da FIESP e da lista de árbitros da Sociedade Rural Brasileira - SRB, da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP (CMA-CIESP/FIESP) e do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).

Nosso website coleta informações do seu dispositivo e da sua navegação e utiliza tecnologias como cookies para armazená-las e permitir funcionalidades como: melhorar o funcionamento técnico das páginas, mensurar a audiência do website e oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para mais informações, acesse o nosso Aviso de Cookies e o nosso Aviso de Privacidade.