Responsabilidade jurídica das escolas pelo cyberbullying

O bullying é uma intimidação sistemática, sem motivação evidente, em uma relação de desequilíbrio de poder entre agressor e vítima, conforme definido na lei.

Direito
13/07/2023
Guilherme Forma Klafke

Todo dia 13 de julho se comemora mais um ano de vida do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas a lei não é importante apenas por causa da proteção que ela trouxe para pessoas até 18 anos. Ela é um marco para outras lutas que se seguiram e que tiveram no ECA e na Constituição seus grandes aliados. O combate ao bullying é uma das histórias.

Criado em 1990, o ECA não traz nenhuma menção ao conceito, que foi tratado pela lei que criou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática em 2015. Em 2018, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi alterada para prever o dever dos estabelecimentos de ensino “para promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying)”. É possível dizer, com tranquilidade, que o combate ao bullying é uma obrigação das escolas e – importante – também das universidades.

O bullying é uma intimidação sistemática, sem motivação evidente, em uma relação de desequilíbrio de poder entre agressor e vítima, conforme definido na lei. Visto de maneira ampla, ele é um conceito social que ganha importância jurídica para que as pessoas e instituições tenham deveres e responsabilidades.

O dever de combate ao bullying abrange todos nós. Quem reforça o bullying ou assiste sem fazer nada está contribuindo para a situação. Familiares e amigos que não acompanham a situação de quem comete ou sofre intimidação sistemática contribuem para o isolamento e a sensação de impotência da vítima. Instituições que não formam as pessoas para identificar e denunciar esses atos, acolher e defender as vítimas, auxiliar e repreender os agressores, também contribuem para o ciclo de violência.

Essa participação é importante mesmo quando as agressões acontecem em um espaço aparentemente à parte: o ambiente virtual.

Aqui, então, quero abordar a responsabilidade das escolas pelo combate ao cyberbullying, que é a intimidação sistemática que envolve o uso das ferramentas da Internet, como memes, fotos, postagens em redes sociais, stickers, dentre outros. Seria fácil argumentar que esse dever existe por conta da lei. Contudo, também é importante reforçar que as fronteiras entre os ambientes físico e virtual são tênues. Uma agressão que começa na Internet pode continuar e afetar toda a comunidade escolar, da mesma maneira que uma intimidação que acontece no espaço escolar pode se intensificar nas redes, alcançando até mesmo pessoas que não moram no mesmo bairro nem no mesmo Estado.

Os tribunais brasileiros vêm responsabilizando as instituições de ensino que se omitem no combate ao bullying. Em 30 de maio de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um colégio de Guarulhos a pagar 30 mil reais a uma aluna com deficiência que sofreu bullying, inclusive por meio do uso de aplicativos que deformavam a imagem do rosto dos agressores para ridicularizá-la. Os desembargadores rejeitaram claramente o argumento da escola de que se tratava de manifestação de carinho e questionaram a falta de programa de combate ao bullying. Em situação até mais grave, o STJ confirmou a responsabilidade do Estado de Minas Gerais pelo falecimento de um aluno que praticava cyberbullying contra uma colega, que o matou ao revidar às agressões na escola. Pela omissão, o Estado foi condenado a pagar 50 mil reais à família do agressor.

41 casos identificados na plataforma Jusbrasil[1] apresentam basicamente três conjuntos de decisões. No primeiro, os tribunais condenam as escolas a pagar danos morais e até mesmo os danos materiais por troca de instituição da vítima, em valores que vão de 7 mil a 20, 30 mil reais. No segundo, as vítimas não conseguem comprovar a prática de bullying ou que a situação ultrapassou o mero aborrecimento, principalmente pela falta de apresentação de provas de episódios sistemáticos. No terceiro, as escolas não são punidas porque mostram que agiram na situação, embora na ampla maioria das vezes isso aconteça por meio de comprovação de atendimentos, sem menção a uma política consolidada e efetiva de paz e combate ao bullying – o que parece ser uma postura tímida do Poder Judiciário perante o problema.

Os casos evidenciam a necessidade de que as instituições de ensino não ignorem situações de bullying na Internet, porque serão responsabilizadas. Para isso, elas precisam ter canais de denúncia e acolhimento, tanto para as vítimas, quanto para terceiros que saibam da situação e queiram reportá-las. Também precisam ter iniciativas de formação de cultura e cidadania digitais, fomentando a empatia e novas formas de relacionamento social que não se baseiem em exercício de força e opressão. Para pensar programas efetivos, é possível consultar o curso gratuito Cyberbullying, da FGV, e os materiais do programa Internet Segura, do NIC.br, e os conteúdos da organização SaferNet, como o infográfico de combate ao bullying.


[1] Pesquisa em 12/07/2023 por meio das palavras-chave “cyberbullying escola”, com filtros de data para considerar apenas os casos a partir de 31 outubro de 2015 – tendo em vista a aprovação da Lei Federal nº 13.185, em 6 de novembro de 2015.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Guilherme Forma Klafke

    Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela USP. Líder e gestor de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI FGV DIREITO SP). Professor da Pós-graduação lato sensu da FGV DIREITO SP (FGV LAW).

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