Direito

Sustentabilidade e protecionismo são desafios de acordo Mercosul-EU 

Paula Wojcikiewicz Almeida, Pedro Henrique Lavinas Ortman

Após meses da conclusão das negociações, a Comissão Europeia apresentou ao conselho sua proposta final do acordo de parceria entre a União Europeia e o Mercosul. Em negociação desde 1999, o acordo foi concluído em dezembro de 2024 e representa um avanço histórico na integração entre dois dos maiores grupos econômicos do mundo. O acordo dará origem à maior zona de livre a maior zona de livre comércio já estabelecida, abrangendo um mercado de mais de 700 milhões de consumidores, e aprofundará as relações entre o Brasil e os Estados-Membros da UE. 

A decisão da Comissão Europeia foi dividir o acordo em duas partes: um acordo amplo de parceria UE-Mercosul, que inclui os pilares políticos e de cooperação e um acordo comercial provisório, que abrange apenas questões comerciais. O acordo amplo de parceria entre a UE e o Mercosul deverá ser ratificado por todos os parlamentos dos 27 estados-membros da UE. Já o acordo comercial provisório, que abrange apenas matérias de competência exclusiva da UE, será adotado através de um processo de ratificação da própria UE, envolvendo o Parlamento Europeu e o conselho. 

Na UE, críticos ao acordo citaram riscos para a agricultura, a saúde pública, e ao meio ambiente. Para responder a essas questões e garantir a viabilidade do acordo, a Comissão Europeia delineou medidas adicionais de proteção. Foi proposto um reforço de salvaguardas bilaterais, meios comerciais que protegem os produtos da UE mais sensíveis contra um aumento prejudicial das importações, através da edição de atos normativos da UE que irão operacionalizar essas salvaguardas no nível interno na União. 

Além disso, foram anunciadas outras medidas, como a criação de um grupo de força-tarefa para reforçar o controle de importações e a previsão de apoio financeiro a agricultores, uma das principais reivindicações dentro da UE. Sobre esse tema, entre as principais medidas, destaca-se a possibilidade de a Comissão proceder a uma investigação caso se verifique um aumento superior a 10% nas importações anuais de um produto e os respetivos preços de importação forem pelo menos 10% inferiores aos preços do mesmo produto ou de um produto concorrente da UE. Nesses casos, a UE poderá suspender a redução tarifária acordada ou até mesmo regressar à tarifa base aplicada aos demais países. 

Polêmica no Brasil 

Apesar de que, segundo a UE, os países do Mercosul vão ser mantidos plenamente informados sobre o andamento dessas medidas, algumas delas já causaram polêmica em produtores brasileiros. Em especial, a cláusula que prevê possibilidade de investigação já tem sido criticada por setores da agropecuária brasileira, que a consideram excessiva e prejudicial às commodities brasileiras, em especial ao setor da proteína animal. 

Sob essa perspectiva, porém, o acordo comercial com o Mercosul pode levantar algumas questões sobre sustentabilidade. Com intuito de acelerar as negociações com os países do Mercosul, foi incluída no artigo 21.4, alínea b), uma cláusula de “rebalancing“, que prevê a possibilidade de os países signatários do acordo acionarem o mecanismo geral de resolução de controvérsias sobre questões que envolvam a alegação de uma parte de que uma medida aplicada pela outra anula ou prejudica substancialmente qualquer benefício que lhe seja devido nos termos do acordo, afetando negativamente o comércio entre as partes, independentemente de tal medida entrar em conflito com as disposições do acordo. 

Esse mecanismo é incomum, uma vez que, em regra, nos acordos de livre comércio negociados pela UE, as questões de sustentabilidade, como as que dizem respeito às normas ambientais da UE, são tratadas exclusivamente no âmbito da seção de comércio e desenvolvimento sustentável, através das suas regras próprias, e que não inclui disposições relativas a medidas temporárias ou sanções. Assim, ao argumentar que medidas como as normas ambientais da UE têm um impacto prejudicial no comércio, a UE admite a possibilidade de que sejam questionadas no âmbito do mecanismo geral de resolução de controvérsias, que poderá prever compensações para os países do Mercosul afetados por normas que tenham implicações no comércio, como a EUDR. Por essa razão, críticos tem afirmado que esse acordo seria “um passo para trás” em termos de responsabilidade ambiental. 

Acordo da UE com os EUA 

Recentemente, porém, a UE firmou um entendimento comercial que levanta não apenas questões relativas à sustentabilidade, mas também comerciais. No final de agosto de 2024, a Comissão Europeia e os Estados Unidos divulgaram uma declaração conjunta de intenções intitulada “Joint Statement on a United States–European Union framework on an agreement on reciprocal, fair and balanced trade“. Trata-se de um compromisso de caráter não vinculante, cujos principais termos estabelecem que os EUA se comprometem a aplicar uma tarifa de 15% ou a tarifa Most-Favoured Nation (MFN) a todos os produtos da UE. Em troca, a UE afirmou que pretende eliminar todas as tarifas sobre os produtos industriais dos EUA, conceder acesso preferencial ao mercado europeu a determinados setores e adquirir 750 bilhões de dólares em gás natural, petróleo e produtos de energia nuclear até 2028, entre outros compromissos. 

Embora o acordo com os EUA não estipule obrigações imediatas para a União Europeia, Estados-membros da UE, o acordo foi alvo de inúmeras críticas por considerá-lo desequilibrado, favorecendo amplamente os interesses dos EUA. Ainda, a UE comprometeu-se a avaliar o impacto da EUDR sobre os exportadores norte-americanos e a responder às suas preocupações, além de prometer proporcionar mais flexibilidade na aplicação do CBAM e trabalhar para garantir que a CSDDD não imponha restrições indevidas ao comércio entre os EUA. Assim, críticos têm apontado que o acordo com os EUA contraria políticas ambientais da UE e compromete a ambição climática do bloco ao incentivar a compra de combustíveis fósseis e afrouxar o arcabouço regulatório ambiental que a UE vem erigindo nos últimos anos. 

Dessa forma, o contexto internacional de crescente protecionismo e de ameaças tarifárias parece ter dado novo ânimo à conclusão do acordo Mercosul-UE. Esse acordo é uma parte fundamental da estratégia de diversificação das relações comerciais da UE e de fortalecimento dos laços econômicos e políticos com outros parceiros, oferecendo à UE a oportunidade de celebrar um acordo comercial que tem potencial de trazer ganhos reais para ambas as partes, com benefícios decorrentes da liberalização comercial recíproca. 

Como afirmou a própria Comissão Europeia, uma das principais conquistas do acordo é o fato de que ele envia uma mensagem clara ao mundo de que a UE e o Mercosul, duas das maiores economias mundiais, rejeitam o protecionismo e estão abertas ao comércio e aos negócios com base em regras justas e padrões elevados. 

 
*Artigo publicado originalmente no Conjur em 14/10/2025

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Autores

  • Paula Wojcikiewicz Almeida
    Professora da FGV Direito Rio, coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges, co-financiado pela Comissão…  ver mais
  • Pedro Ortman
    Pedro Henrique Lavinas Ortman
    Mestrando em Direito Internacional e Europeu na Universidade Católica Portuguesa no Porto (Portugal), graduado em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e pesquisador do Centro de Pesquisa…  ver mais

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