A tabela do Imposto de Renda e a Reforma Tributária: o salário mínimo e mínimo existencial
Por que pagamos tributos? Essa pergunta deve nortear os debates sobre a atualização da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas.
A resposta é simples, pagamos tributos em razão do dever jurídico e social das pessoas físicas e jurídicas de contribuírem com as atividades estatais, ou seja, aqueles que possuem capacidade econômica devem transferir dinheiro para o Estado com o objetivo de viabilizar políticas públicas, como, por exemplo, o acesso à educação e à saúde, entre outras atividades financeiras realizadas pelos entes públicos.
Portanto, a premissa esculpida na Constituição Federal é a de que somente aqueles que possuem capacidade econômica estão obrigados a arcar com as atividades financeiras do Estado, assim sendo, aqueles cidadãos que recebem salário ou outras remunerações, tão somente para seu sustento, estão fora do alcance do poder estatal de tributar.
Vale lembrar que a base dessa proteção constitucional reside no princípio da dignidade da pessoa humana, mantendo-se o chamado mínimo existencial, e, por conseguinte, a Constituição Federal veda que os Estados tributem os cidadãos em detrimento da sua sobrevivência.
Contudo, em que pese o princípio da capacidade contributiva e o da dignidade da pessoa humana estarem claramente incorporados ao nosso ordenamento jurídico, a questão é saber qual a dimensão monetária do mínimo existencial.
Atualmente estão isentos do pagamento do imposto de renda os valores recebidos até R$ 1.903,98 ao mês. Esse valor não sofreu atualização desde 2015, em que pese a inflação dos últimos sete anos e o descompasso das atualizações realizadas antes de 2015, gerando uma evidente defasagem.
Adicione-se, ainda, que não só o limite de isenção precisa ser revisto para se adequar a realidade econômica atual, mas também as demais faixas de incidência, pois o imposto de renda, por imposição constitucional, deve ser progressivo, ou seja, ainda que haja capacidade econômica, tal capacidade deve acompanhar a riqueza do contribuinte, portanto, quem ganha mais deve contribuir proporcionalmente com valores maiores; assim, não basta atualizar a faixa de isenção e manter as faixas seguintes imutáveis. A modificação da tabela deve ser integral de modo a dimensionar a capacidade econômica de todos os contribuintes de acordo com a sua riqueza.
Diante desse cenário, a problemática consiste em fixar qual é o valor médio necessário para a sobrevivência digna de um cidadão para fins de dispensá-lo do pagamento do imposto de renda sobre a parcela recebida, bem como da proporcionalidade das faixas subsequentes, de forma a criar um tributo realmente progressivo e com racionalidade.
Não há leis ou decisões judiciais que fixem o valor do mínimo existencial, mas isso não permite arbitrariedades e nem omissões por parte do Legislativo, pois os princípios constitucionais precisam ser respeitados.
No plano legislativo tramitam vários projetos de lei para adequação da tabela do imposto de renda, entre eles o Projeto de Lei 2.337/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados e no aguardo da análise pelo Senado Federal. Nesse projeto, a faixa de isenção alcançaria todos os contribuintes até o valor de R$ 2,5 mil reais, com a adequação das demais faixas. A questão é que o projeto modifica outros pontos polêmicos de cunho tributário que acabam por retardar a sua votação, como, por exemplo, a tributação dos dividendos.
Vale mencionar, ainda, o Projeto de Lei 2.140/22, que amplia a faixa de isenção para R$ 5.200,00. O referido projeto está apensado ao Projeto de Lei 3.089 de 2008, que recebeu nesses quinze anos de tramitação mais de 90 outros projetos de lei com objetivo de reformular o imposto de renda.
Assim sendo, não há escassez de projetos para alteração da tabela do imposto de renda, mas falta de vontade política de fazer as modificações necessárias.
Como se não bastasse a falta de alinhamento político do Legislativo para mudar o imposto de renda, caíra, por terra as esperanças de que o Judiciário fizesse valer os princípios constitucionais diante da omissão do Congresso Nacional.
Isso porque o Supremo Tribunal Federal, provocado a se manifestar sobre o assunto pela Ordem dos Advogados do Brasil na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.096, entendeu que não cabia à Corte Constitucional a correção monetária da tabela, sob pena de usurpação de competência legislativa, ressaltando, ainda, que o valor de R$ 1.903,98 correspondia ao dobro o valor do salário mínimo vigente no país em 2019 (R$ 998,00).
Ocorre que o salário mínimo de 2023, no valor atual de R$ 1.302,00, segundo estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), está cinco vezes abaixo do montante necessário para cobrir as necessidades das famílias brasileiras.
Portanto, a régua que está sendo utilizada para medir a capacidade econômica dos contribuintes está quebrada. O salário mínimo não pode ser parâmetro para aferição do mínimo existencial.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.