Trabalho remoto e redução da pressão salarial

Estudo mostra que adoção do trabalho remoto pode contribuir para moderar aumentos salariais na transição para novo regime de trabalho híbrido, o que ajudaria a conter o processo inflacionário que vários países enfrentam. 

Economia
26/10/2022
Fernando Veloso

No mês passado discuti neste espaço uma pesquisa recente de Nicholas Bloom e coautores que documenta a adoção do trabalho remoto em 27 países, incluindo o Brasil, além das percepções dos trabalhadores sobre os impactos sobre sua produtividade e bem-estar.

Os resultados indicam que o trabalho remoto veio para ficar, com trabalhadores e empresas expressando que desejam manter o home office de forma permanente durante pelo menos parte da semana.

De modo geral, os trabalhadores reportam ganhos significativos de produtividade e bem-estar, possivelmente associados à menor necessidade de se deslocar para o local de trabalho. Diante disso, os trabalhadores estariam dispostos a aceitar uma redução de 5% de seu salário em média para poder trabalhar 2 ou 3 dias em casa.

Isso sugere que a adoção do trabalho remoto pode contribuir para a moderação dos aumentos salariais durante o processo de transição para o novo regime de trabalho híbrido, o que por sua vez ajudaria a conter o processo inflacionário que vários países estão enfrentando.

Nicholas Bloom e outros pesquisadores investigaram esta hipótese para os Estados Unidos em estudo recente (“The Shift to Remote Work Lessens Wage-Growth Pressures”), com base em uma sondagem com executivos de uma amostra representativa de empresas americanas chamada Survey of Business Uncertainty.

Segundo o survey, 38% das empresas expandiram as oportunidades de trabalho remoto nos últimos 12 meses com o objetivo de moderar pressões salariais por parte de seus empregados. Essa prática foi ainda mais expressiva em empresas de grande porte e em atividades específicas, como serviços financeiros e de informação, serviços prestados às empresas e nos setores de educação e saúde.

Quando perguntados se nos próximos 12 meses permitirão que seus empregados trabalhem pelo menos um dia da semana em casa para moderar pressões salariais, 41% dos executivos responderam de forma afirmativa. Além disso, o padrão de respostas em função do tamanho da empresa e do setor de atividade é o mesmo que havia sido detectado para os 12 meses anteriores.

Em seguida, os pesquisadores perguntam aos empresários quais são suas estimativas a respeito do impacto do uso mais intensivo de trabalho remoto sobre os salários nas suas empresas durante os últimos 12 meses e nos próximos 12 meses. Os resultados indicam que a expansão de oportunidades de trabalho remoto teria contribuído para moderar aumentos salariais em 0,9 pontos percentuais (p.p.) nos últimos 12 meses.

A expectativa de moderação salarial é de 1,1 p.p. nos próximos 12 meses e de 2 p.p. nos próximos dois anos. O potencial de diminuição das pressões de aumento salarial pode ser ainda maior nos setores que utilizam o trabalho remoto de forma mais intensiva, com moderação esperada nos próximos dois anos de 2,3 p.p. em serviços financeiros, serviços prestados às empresas e serviços de informação e de 3,8 p.p. em educação e saúde.

Os autores também mostram que a intensificação do trabalho remoto contribuiu para outras mudanças nas empresas que podem reduzir o custo da mão de obra, como um aumento das contratações em tempo parcial e de serviços de terceirização.

Com base nesses resultados, Bloom e coautores estimam que a expansão do trabalho remoto pode reduzir em 54% a necessidade de recomposição salarial diante da perda real no último ano, o que pode facilitar a tarefa do Fed de reduzir a inflação sem gerar uma recessão significativa.

Em resumo, a adoção permanente do trabalho remoto tem diversas implicações para a economia. Além das perspectivas de aumento de produtividade e bem-estar, existem implicações em termos de emprego e salários de mercado, que por sua vez podem ser relevantes para a política monetária. Por outro lado, serviços que empregam trabalhadores de menor escolaridade e salários, como alimentação e hospedagem, podem ser negativamente afetados, aumentando a desigualdade.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Fernando Veloso

    É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, professor da EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e pesquisador associado do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da FGV. PhD em Economia pela University of Chicago. Tem graduação em Economia pela Universidade de Brasília e mestrado na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É coordenador (com Silvia Matos) do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.

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