Economia

Transformação em empresa pública consolidará autonomia do BC

Autor
Rafael Bianchini
Data

Caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65 seja aprovada, o Banco Central do Brasil (BCB) passaria a ser organizado como empresa pública. O modelo de bancos centrais públicos, autônomos e constituídos sob a forma de empresa é o mais comum em áreas monetárias de baixa inflação porque permite equilibrar funções de interesse público com atividades econômicas exercidas pelos bancos centrais (BCs) contemporâneos. Embora represente avanço institucional, a PEC 65 merece ajustes, especialmente para manter o papel do Conselho Monetário Nacional (CMN) como órgão de cúpula da área econômica e blindar os futuros empregados públicos de pressões políticas e do mercado.

Até a criação do BCB pela Lei no 4.595/64, as funções de típicas de um banco central eram divididas entre a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e o Banco do Brasil (BB). Enquanto a SUMOC atuava como reguladora da moeda e do sistema financeiro e supervisora de instituições financeiras, o BB operacionalizava as políticas típicas de BCs, recebendo depósitos das outras instituições financeiras, operacionalizando as intervenções no mercado de câmbio e executando a compensação interbancária.

Mesmo após a criação do BCB, o BB continuou operacionalizando parte das atribuições do BCB e a conta movimento foi criada para permitir que o BCB remunerasse o BB pelos serviços necessários à operacionalização das políticas monetária e cambial. Ao longo dos anos, as funções de BC mantidas no BB foram sendo transferidas para o BCB, com destaque para a extinção da conta movimento em meados da década de 1980 e a reestruturação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) no início da década de 2000, a qual possibilitou que o BCB operasse diretamente e em tempo real sistema para as transferências de recursos entre as contas das instituições financeiras.

Com a progressiva operacionalização direta das políticas monetária e cambial e a execução de atividades relacionadas com essas políticas, as receitas e os custos do BCB aumentaram substancialmente. Embora a Lei no 4.595/64 assegure ao BCB as receitas diretamente relacionadas com operações financeiras, o art. 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que as despesas do BCB relativas a pessoal e encargos sociais, custeio administrativo e investimentos integrem as despesas da União e sejam incluídas na lei orçamentária.

Essa restrição da LRF embasou a criação, em 2003, do Redi-BC, que foi importante fonte de recursos para custeio de projetos, financiando projetos que revolucionaram nosso sistema financeiro, como a implementação do arcabouço de Basileia, alinhando o Brasil às melhores práticas de regulação e supervisão bancária, a regulamentação dos arranjos de pagamento e das instituições de pagamento, que aumentou a competição em pagamentos de varejo, e até mesmo o princípio do desenvolvimento do Pix, que promoveu salto em inclusão financeira. A extinção do Redi-BC, no final da década passada, decorreu de uma determinação do Tribunal de Contas da União e comprometeu a execução de atividades não relacionadas diretamente às políticas monetária e cambial, ainda que a elas complementares.

Portanto, manter a atual sistemática que limita a autonomia orçamentária do BCB prejudica o desenvolvimento de projetos que garantem a inovação no BCB, como por exemplo a evolução do Pix e a criação do real digital, o Drex.

Os primeiros BCs foram criados por bancos e, portanto, eram privados. Embora ainda existam BCs controlados por bancos (ex. Itália) ou por acionistas privados (ex. África do Sul), desde meados do século XX predominam BCs estatais. Como BCs desempenham tanto atividades disciplinadas por normas de Direito Público, como a emissão de moeda, quanto de Direito Privado, como intervenções no mercado cambial, mesmo BCs privados possuem competência para implementar políticas públicas, algumas imunidades e poderes especiais, o que implica a regulamentação de limites de atuação dos BCs, inclusive quanto à distribuição de dividendos.

Uma pesquisa publicada pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), com BCs de 47 jurisdições avançadas e emergentes, constatou que, mesmo entre os BCs públicos, predomina a constituição na forma de empresa, o que evidentemente não é incompatível com a regulamentação dos objetivos institucionais e limites de atuação do BCB, especialmente no que tange à necessidade de coordenação entre as políticas executadas pelos BCs e as outras políticas macroeconômicas.

É desonesto, portanto, afirmar que a transformação em empresa pública inserida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65 seria inadequada ao arcabouço institucional brasileiro porque o BCB desempenha atividades de interesse público sem objetivo necessário de lucro. Embora a transformação do BCB em empresa pública forneça meios mais adequados para a instituição perseguir seus objetivos institucionais, a redação da PEC 65 pode e deve ser aprimorada.

Primeiro, é imprescindível que não exista dúvida quanto à manutenção das competências atualmente desempenhadas pelo CMN, como a definição da meta de inflação. A política do BCB deve ser coordenada com as políticas macroeconômicas do governo e, no desenho institucional brasileiro, o CMN é o órgão mais adequado para tal função. Isso não é incompatível com o papel já exercido pelo Senado Federal no domínio econômico, incluindo a aprovação dos diretores e presidente do BCB.

Por fim, outra dimensão da autonomia do BCB diz respeito aos seus servidores, futuros empregados públicos, que devem ser blindados tanto de pressões políticas, quanto do mercado, o que demanda algum grau de estabilidade. Complementarmente, é necessário que seja mantida a regra de ocupação de funções comissionadas exclusivamente por pessoas admitidas por concurso público.

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