Os três dês que não falamos nos cursos de ESG

Uma boa notícia, seguida de outra: as carreiras em ESG estão entre as mais promissoras em 2023 e o mercado busca mais profissionais com formação no tema.

Energia
01/02/2023
Fernanda Carreira
Luis Felipe Bismarchi
Gabriela Alem Appugliese

A educação executiva foi recentemente inundada de cursos dos mais variados sobre ESG (sigla em inglês para aspectos ambiental, social e de governança). Curta, média, longa duração, virtual ou presencial, um mar vermelho de ofertas. Uma boa notícia, seguida de outra: as carreiras em ESG estão entre as mais promissoras em 2023 e o mercado busca mais profissionais com formação no tema.

Um curso razoável abordará as três letrinhas, falando por exemplo sobre mudanças climáticas, diversidade, transparência e combate à corrupção. O básico, mas insuficiente face à situação crítica de um mundo mais quente, plano e lotado, como diria Thomas Friedman. Há uma pluralidade de assuntos e perguntas inconvenientes que uma formação consistente em Sustentabilidade - ou sua popular sigla de ideia reducionista ESG - deveria abordar. Falaremos de três deles, temas espinhosos que passam ao largo das salas de aulas. Nossos três dês: decrescimento, decolonialidade e democracia.

Comecemos por DEcrescimento. É provável que a palavra cause arrepios, já que nos habituamos com o crescimento econômico baseado no produtivismo e consumismo como sinônimo do desenvolvimento e bem-estar. Porém, a ideia de decrescimento parte de uma constatação óbvia e inegável em termos físicos: é impossível crescer indefinidamente em sistemas finitos como a Terra! Decrescer significa desvincular o crescimento de recursos materiais e energéticos do progresso humano, portanto, da melhoria da nossa qualidade de vida. Significa rejeitar a acumulação contínua e ilimitada de capital e riqueza, questionar a lógica de dominação e espoliação da natureza.

Isso nos leva ao segundo dê: DEcolonialidade. Libertar nosso pensamento de imaginários arraigados há mais de 200 anos de uma visão eurocêntrica e capitalista de mundo. Desde constatações falaciosas como o homo economicus ou a ideia de um parâmetro único de bem viver idealizado pelo American Way of Life, à fixação com eficiência, velocidade e disponibilidade ininterrupta de negócios e pessoas. Repensar a vida que definimos como boa, reconhecer as especificidades da história de cada lugar e de todos os sistemas lá presentes, extrapolando - mas incluindo - o olhar econômico e de negócios. Aprender com base local, ainda que com consciência cosmopolita, toda pluralidade humana, sem ordená-las da melhor para a pior, uma prática colonial, injusta e irresponsável. Sem um olhar decolonial, a diversidade não será promovida de fato: será mero instrumento para bater metas e aparecer nos relatórios ESG.

Por último, e não sem motivo, a DEmocracia. Face à recente tentativa de golpe de Estado em Brasília, é impossível falarmos de ESG sem falarmos de democracia. Vimos não bastar um processo eleitoral probo. É preciso um sistema que guarde as minorias, ordene as divergências para escutar ativamente a pluralidade; assegure o direito a voto à toda população, sem coação de nenhum tipo; liberdade de imprensa; acesso à justiça; transparência nos processos e nos dados. Sem um ambiente democrático, os negócios são prejudicados. Por isso, cabe às empresas também um compromisso público com a democracia. Afinal, ela não está dada, ainda mais num Brasil tão desigual. Também cabe a elas uma governança corporativa exemplar: transparente, inclusiva, com participação informada e cultivo do valor democrático na cultura organizacional.

A formação executiva deve ensinar mais do que estratégias, ferramentas e relatos que operam na mesma lógica que causou o problema. Soluções que precifiquem natureza ou criem mercado para externalidades negativas dos negócios e modos de vida consumistas são insuficientes. É preciso uma formação crítica que coloque no centro as raízes da insustentabilidade, nutridas pela tônica da produção, consumo e acumulação. Sem isso, continuaremos no metaverso colorido do ESG, enquanto no mundo real, o planeta esquenta, a fome aumenta e a democracia corrói.

O artigo foi publicado originalmente no Valor Econômico.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Fernanda Carreira

    No FGVces, coordena o Programa de Formação Integrada, responsável por projetos como FIS, Mestrado Profissional, Máster, disciplinas de imersão na Graduação e projetos de educação para sustentabilidade para organizações. Foi consultora sênior na PwC na área de Organization & Strategy, onde desenvolvia projetos de estratégia, governança corporativa, estrutura organizacional e modelos de gestão. É doutoranda em Estudos Organizacionais na FGV EAESP, onde é mestre em Gestão, com ênfase em Sustentabilidade, e graduada em Administração de Empresas. Seus focos de pesquisa acadêmica são o ensino de gestão e o ensino de sustentabilidade nas Escolas de Negócio; Antropoceno e Imaginários.

     

     

  • Luis Felipe Bismarchi

    Pesquisador-visitante e professor de Sustentabilidade e Alternativas Sistêmicas na FGV EAESP e de Sustentabilidade e Estratégia na Faculdade FIPECAFI. Administrador (FEA-USP), mestre e doutor pelo Programa de Ciência Ambiental da USP (PROCAM) e realizou pós-doutorado em Administração (FEA-USP). Há mais de 15 anos atua no mercado bancário, tendo ocupado diversas posições executivas em áreas como estratégia, inteligência corporativa e inovação.

  • Gabriela Alem Appugliese

    Pesquisadora e gestora de projetos do Programa de Formação Integrada do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVces). Graduada em Gestão Ambiental pela USP, atuou na área de educação para sustentabilidade na Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município de SP e na Diretoria de Sustentabilidade do Banco Real.

Artigos relacionados

Últimos artigos

Nosso website coleta informações do seu dispositivo e da sua navegação e utiliza tecnologias como cookies para armazená-las e permitir funcionalidades como: melhorar o funcionamento técnico das páginas, mensurar a audiência do website e oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para mais informações, acesse o nosso Aviso de Cookies e o nosso Aviso de Privacidade.