Juros sobre Tributos
Tribunais têm entendido que a Receita não pode usar dois pesos e duas medidas: juros simples para devolver, juros compostos para cobrar.
O Código Tributário Nacional tem um curioso parágrafo único ao artigo 167: “A restituição [do tributo] vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar”. Está mal, muito mal, por duas razões.
Primeiro, porque não faz sentido calcular juros simples. A expressão “juros não capitalizáveis” quer dizer “juros simples”. No mundo moderno, usam-se juros compostos. Em juros compostos, os juros não pagos somam-se ao capital para contagem de juros no período seguinte. As operações financeiras (empréstimos, investimentos, cadernetas de poupança etc.), bem como as operações comerciais, usam juros compostos.
Segundo, porque viola o princípio da isonomia quando adota critério diverso nos casos em que o fisco é o credor. No caso de pagamento de tributos fora do prazo, a lei manda cobrar os juros Selic que são, por definição, compostos. E compostos diariamente. Ao contrário de certa percepção popular, a frequência da capitalização (outra forma de dizer que os juros são compostos) não é onerosa para o devedor. A taxa Selic, de 13,75% ao ano, continuará sendo 13,75% quer seja a capitalização mensal, semanal, diária, ou a cada minuto.
Tribunais têm entendido que a Receita não pode usar dois pesos e duas medidas: juros simples para devolver, juros compostos para cobrar. Cumprindo essas decisões, a Receita Federal passou a usar juros simples com a Selic (isto é, soma elementos que são por natureza multiplicativos), o que foge a toda lógica.
Então a Selic de 13,75% vale para tudo menos para a Receita, que adota, na prática, taxa anual menor. A esperteza de pagar juros menores nas devoluções, que são bem inferiores aos recebíveis em atraso, acaba por causar grande prejuízo financeiro ao fisco, ao mesmo tempo em que desencoraja o contribuinte a pagar pontualmente.
A doidice se espalhou. Tribunais decidiram que também os milhares de estados e municípios estão obrigados a usar o mesmo critério adotado pelo fisco federal.
A coisa não para por aí. A distorção invade o setor privado, já que o Código Comercial estabelece (artigo 406) que o critério adotado pela Receita Federal, certo ou errado, limita os juros que podem ser cobrados em contratos mercantis. Tomada a regra ao pé da letra, são ilegais todas as estipulações de juros atrelados à taxa Selic fixada pelo Banco Central!
Em resumo. O artigo 167 do CTN, ao pretender assegurar a defesa do contribuinte contra a erosão do seu capital retido indevidamente pelo fisco (contagem de juros), introduziu a regra mesquinha de que esses juros são “não capitalizáveis”. O resto é história. Para corrigir as distorções acima apontadas, citada cláusula devia ser eliminada.
Por último, é de notar que tudo o que se segue à vírgula do mencionado art. 167 não faz nenhum sentido. Mas isso já é assunto para outra hora.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.