Quem na UE exige acordos ambientais rigorosos?

Não há união e consenso em favor de exigências ambientais mais duras.

Relações Internacionais
09/02/2023
Rodrigo Fagundes Cezar

A União Europeia (UE) é conhecida por demandar padrões ambientais rigorosos dos países com os quais ela se relaciona comercialmente. Nos últimos meses, por exemplo, a notícia de que o Parlamento Europeu aprovou um projeto que limita a importação de commodities ligadas ao desmatamento ganhou repercussão no Brasil.

Menos conhecido, no entanto, é o amplo debate interno que acontece antes da UE tomar decisões em política comercial. A abertura dessa caixa preta nos revela grupos domésticos favoráveis e contrários a padrões de sustentabilidade mais rígidos em acordos comerciais. Quem são esses grupos? O que explica essa divisão? E por que, a despeito dela, a UE exige cláusulas ambientais cada vez mais rigorosas em acordos de comércio?

Em 2022, a Comissão Europeia publicou um documento em que propôs uma abordagem mais rigorosa para a promoção do desenvolvimento sustentável por meio de acordos comerciais. Antes da publicação do documento, a Comissão abriu espaço para que grupos empresariais e a sociedade civil se manifestassem. Enquanto a sociedade civil se posicionou a favor de uma abordagem mais rigorosa, associações empresariais se dividiram.

Entre os que rejeitaram ou receberam com hesitação a proposta de cláusulas ambientais mais rigorosas nos acordos de comércio da UE está a Associação Europeia de Roupas de Marca (EBCA, sigla em inglês), que inclui empresas multinacionais de produção de roupas. Essas empresas possuem fábricas e fornecedores em países com baixos padrões relativos de sustentabilidade, incluindo Índia, Bangladesh e Vietnã. A possibilidade de impor sanções por questões ambientais, por exemplo, poderia levar ao aumento inesperado dos custos de produção das empresas com cadeias de fornecimento nesses países. 

É importante também observar que as empresas da EBCA são líderes em compromissos voluntários de governança ambiental e social. Ainda assim, suas associações comerciais rejeitam cláusulas de sustentabilidade rigorosas e legalmente vinculantes. Isso porque a incerteza gerada por provisões que podem levar a algum tipo de sanção legal faz com que grupos empresariais se oponham a certos compromissos públicos rigorosos de comércio e sustentabilidade.

Associações comerciais multissetoriais representativas a nível europeu, como a BusinessEurope, também se opuseram a provisões ambientais mais rigorosas por parte da UE pela necessidade de buscar um mínimo denominador comum entre seus variados membros.

Entre aqueles que defenderam que acordos de comércio devem ter instrumentos mais fortes para exigir compromissos ambientais dos parceiros da UE estão em sua grande parte associações de produtores de alimentos. Estão incluídas a Federação de Produtores de Açúcar da Europa (CEFS, sigla em francês), as Cooperativas Agroalimentares da Espanha e a Confederação Internacional dos Produtores de Beterraba Europeus (CIBE, sigla em francês).

As exigências ambientais de produtores da UE estão cada vez mais rigorosas, em especial com o European Green Deal. Os produtores mencionados acima estão em sua maioria localizados na própria UE e acabam por transferir os custos das exigências regulatórias europeias para o preço do seu produto final. Eles querem então que regulações semelhantemente rigorosas se apliquem a seus competidores internacionais para “nivelar o jogo”.

Associações comerciais compostas de grandes multinacionais podem também decidir se posicionar em favor de exigências ambientais mais rigorosas por já terem investido anteriormente em governança ambiental e social. Empresas que já investiram em práticas sustentáveis terão custos menores para se adaptarem a regulamentos mais rigorosos em relação a competidores com nível menor de sustentabilidade. É o caso da Associação Francesa de Grandes Empresas (Afep, sigla em francês), que apoiou exigências de sustentabilidade mais fortes em acordos da UE.

E por que, a despeito das divisões acima, a UE tem instrumentos cada vez mais fortes para exigir compromissos ambientais de seus parceiros? Uma possibilidade seria afirmar que os grupos contrários a tais exigências não têm tanta influência sobre o processo decisório europeu. No entanto, existe vasta evidência de que esse não é o caso. A política comercial da UE é amplamente influenciada por grupos de interesse empresariais favoráveis e contrários a práticas mais rigorosas de sustentabilidade. 

A questão é que mesmo os grupos empresariais que discordam de cláusulas ambientais mais rigorosas em acordos comerciais parecem aceitar - ainda que a contragosto - que elas serão provavelmente implementadas. Além disso, eles temem que uma oposição mais rigorosa a tais compromissos levará a uma reação contrária à negociação de acordos comerciais por parte do público europeu.

A variedade de posicionamentos entre grupos empresariais da UE - contanto que não haja polarização - e a aceitação de que essas cláusulas ambientais ficarão mais fortes com o tempo em certa medida facilitam a tomada de decisão em política comercial. Isso porque a Comissão Europeia ganha mais autonomia para ouvir representantes da sociedade civil, que têm batalhado por cláusulas de sustentabilidade cada vez mais rigorosas nos acordos da UE.

Em suma, apesar das exigências de sustentabilidade mais fortes da UE, há claras divisões internas entre setores, empresas e associações comerciais com maior ou menor integração a cadeias globais de valor. De maneira contraintuitiva, a força das exigências ambientais que provavelmente se aplicarão aos futuros acordos comerciais da UE, é em parte 

explicada não pela união e consenso em favor de exigências rigorosas, mas pela própria divisão entre grupos de interesse de relevo. Essas divisões podem e devem se acirrar, segundo alguns analistas. Possíveis consequências desse acirramento não se restringem à UE e tendem a afetar os seus parceiros comerciais, incluindo o Brasil durante o novo governo de Lula.

O artigo foi originalmente publicado no Valor em 17 de janeiro de 2023.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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