Agricultura urbana e periurbana como estratégia de enfrentamento da crise socioambiental nas cidades
A ampliação de áreas verdes nas cidades com hortas e jardins também garante maior resiliência frente aos impactos das mudanças do clima, com a regulação de microclima eredução do risco de inundações por conta do aumento da permeabilização do solo.
Dados da ONU apontam que, em 2050, dois terços da população mundial viverão em assentamentos urbanos e periurbanos, com a probabilidade de que 3 bilhões de pessoas terão acesso insuficiente à infraestrutura básica e a alimentos saudáveis.
Com este pano de fundo, a agricultura dentro e no entorno de centros urbanos pode fortalecer a segurança alimentar e nutricional, gerar renda às populações vulneráveis e reduzir a distância entre produtores e consumidores. A ampliação de áreas verdes nas cidades com hortas e jardins também garante maior resiliência frente aos impactos das mudanças do clima, com a regulação de microclima eredução do risco de inundações por conta do aumento da permeabilização do solo.
A agricultura urbana e periurbana (AUP) tem ganhado força na agenda global de enfrentamento aos desafios socioambientais. Em linha com a tendência mundial, a AUP é uma estratégia reconhecida pelo governo federal por meio do Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, de 2018.
Com a publicação do Decreto 11.700/2023, o Programa passa a envolver também outros três ministérios: Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, com foco em políticas de crédito, assistência técnica, inovação, cooperativismo e abastecimento alimentar; Meio Ambiente e Mudança do Clima,visando o aumento de cobertura vegetal nas cidades, da transição agroecológica e da reciclagem de resíduos orgânicos; e Trabalho e Emprego, engajado na inclusão socioeconômica das famílias deagricultores urbanos a partir de princípios da economia solidária. Se a inédita articulação em nível federal chega oportunamente, tão mais imprescindível é mapear oconhecimento de políticas públicas na esfera municipal, a que mais se aproxima dos agricultores urbanos.
Para isso, o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), com apoio do TEEB Agricultura & Alimentos/PNUMA, e do governo federal, no âmbito dos quatro ministérios supracitados, realizou a pesquisa Panorama de agendas municipais de agricultura urbana e periurbana.
Os dados inéditos, cujo relatório será lançado ainda em dezembro, traçam o perfil de 67 municípios comações nessa temática. A investigação amplia achados de trabalho anterior - Agendas Municipais de Agricultura Urbana e Periurbana: um guia para inserir a agricultura nos processos de planejamento urbano - que traz orientações e instrumentos para promover institucionalização e ganho de escala. Revela-se, por exemplo, que um terço dos municípios respondentes iniciou atividades de AUP durante a pandemia, corroborando o fato de como essa agenda tem apoiado a redução da fome e da insegurança alimentar e nutricional, que atinge 125,2 milhões de brasileiros.
Mas, para que tais iniciativas não esmoreçam ou fiquem susceptíveis a ciclos políticos, é importante que estejam sustentadas em marcos legais e regulatórios, que possuam recursos previstos em instrumentos orçamentários e que sejam ancorados em estruturas de governança intersetoriais e com ampla participação social.
Além da institucionalização das práticas de AUP, existem elementos que devem ser assegurados para fortalecer e ampliar tais iniciativas, tais como o acesso à água e à terra. A pesquisa mostra que menos de um terço dos municípios dispõe de termos de concessão ou direito de uso de para a prática de AUP e que a maior parte das áreas aptas consideradas pelas prefeituras são terrenos públicos ociosos. Assim, há necessidade de diversificação das fontes de recursos e de arranjos institucionais inovadores para viabilizar a perenidade e o ganho de escala das iniciativas de AUP. Nesse aspecto, existe bastante espaço para contribuição do setor empresarial e o município de Osasco (SP) desponta como referência.
O Programa de agricultura urbana da Secretaria de Emprego, Trabalho e Renda da Prefeitura, para citaruma das iniciativas, mobiliza 55 agricultores em seis hortas cultivadas em terrenos da prefeitura e em áreas de comodato de organizações como a Enel, Transpetro e Exército, por exemplo.
O arranjo institucional em torno das hortas pedagógicas também é inspirador. Foi firmada uma parceriada Secretaria de Educação de Osasco junto à iniciativa privada para um projeto piloto de implantação de hortas pedagógicas agroecológicas em duas unidades municipais de educação. Com recursos do iFood, duas organizações foram contratadas para a implementação e operacionalização das hortas. Além dos insumos, o projeto piloto incluiu assistência técnica, formação e bolsas para cuidadores de hortas, sensibilização de cozinheiras, entre outras atividades. Ambas as hortas têm o objetivo pedagógico e destinam parte da produção aos alunos, tanto via doação, quanto via merenda escolar.
Concessão de terrenos para a implementação de sistemas produtivos comunitários, financiamento de hortas institucionais, implementação de telhados verdes nas próprias instalações. Essas são algumas das diversas formas com que o setor empresarial pode apoiar a agenda de AUP e assim contribuir para que as cidades sejam mais resilientes e possam ofertar maior qualidade de vida para seus moradores.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.