Covid-19, suas variantes e o novo normal
A contribuição da população, a conscientização e as ações das três esferas do governo, realizadas de maneira integrada e com base em evidências científicas, são vitais para o controle da pandemia e a mitigação das suas consequências.
Os números de casos e de mortes pela Covid-19 e a baixa taxa de cobertura vacinal completa da população revelam o fracasso do Brasil no combate à pandemia. Fracasso difícil de aceitar considerando a nossa experiência mundialmente reconhecida em campanhas de vacinação e a qualidade dos nossos profissionais, cientistas e pesquisadores, bem como a estrutura do nosso Sistema Único de Saúde. Na corrida contra a Covid 19, estamos perdendo feio e pagando o alto preço de centenas de milhares de vidas perdidas, cujas mortes eram totalmente evitáveis.
Após um ano e meio de pandemia o cenário é desolador. Economia destroçada, 15 milhões de desempregados, inflação e juros em ascensão. Milhões de jovens dos setores mais vulneráveis da população fora da escola, alijados que estão do acesso aos meios de ensino à distância e à internet. Meio ambiente literalmente pegando fogo. Crise hídrica que nos ameaça com a volta dos apagões de energia elétrica. Os números de casos novos e de mortes por Covid 19 estão em queda, mas a média móvel diária de óbitos ainda apresenta cifras preocupantes.
As ações do Ministério da Saúde para o combate à pandemia têm se dado com atrasos, com erros técnicos grosseiros e com conflitos com os estados e municípios. As estruturas e equipes técnicas do Ministério da Saúde foram desmontadas por um governo negacionista e incompetente e que deliberadamente jogou o país numa crise política e institucional. Desde o começo da pandemia, o governo federal tem disseminado informações falsas minimizando a gravidade da situação, divulgado e promovido terapias comprovadamente ineficazes, como o tratamento precoce com cloroquina, desacreditado as vacinas e as medidas protetivas não farmacológicas como o uso de máscaras e o distanciamento social, e pior, tem patrocinado sistematicamente comportamentos de risco como a aglomeração de pessoas, além de atacar os governos municipais e estaduais quando estes assumem postura mais ativa no combate à pandemia. O Ministério da Saúde falhou na aquisição, na logística e na distribuição de insumos, testes e vacinas, sendo notória a sua omissão no colapso de fornecimento de oxigênio medicinal nos serviços de saúde em Manaus.
Para controlar a pandemia é preciso interromper, ou ao menos reduzir drasticamente a circulação do vírus. São tão fundamentais o uso de máscaras, a constante lavagem das mãos e o distanciamento social, porque reduzem o risco de o vírus passar de uma pessoa para a outra. Além disso, é necessária a imunização coletiva de pelo menos 70% da população através da vacinação. A imunidade desenvolvida a partir da infecção pela Covid-19 tem se mostrado inferior à obtida pela vacinação. Entretanto, nem a vacinação nem a infeção pela Covid 19 impedem que a pessoa venha a se reinfectar e desenvolver um novo quadro da doença. A vacinação completa protege bem contra quadros graves e de morte, sendo muito mais raras essas ocorrências nas pessoas vacinadas.
Se uma pandemia por coronavírus era um evento esperado pelos especialistas em saúde pública e pelos epidemiologistas, a Covid 19 surpreendeu a todos pela velocidade de transmissão e principalmente pela variedade de apresentações clínicas e níveis diferenciados de gravidade. Tanto o quadro agudo da doença, como o período de reabilitação e a gravidade das sequelas variam muito de pessoa para pessoa.
A permanência do vírus em circulação nas populações não imunizadas aumenta o risco de surgirem variantes que causem quadros mais graves, sejam mais infectantes, ou ainda, o nosso maior temor, que escapem da proteção das vacinas atualmente disponíveis.
As variantes identificadas até o momento, (Alfa no Reino Unido, Beta na África do Sul, Gama no Brasil, Delta na Índia e Lambda no Peru) estão cobertas pelas vacinas. Ocorre que ainda estamos muito longe de atingir a imunidade coletiva no Brasil. No mundo a disparidade de acesso às vacinas é muito grande. De nada adiantará os países ricos terem suas populações totalmente vacinadas enquanto as nações pobres permanecerem sem acesso às vacinas e se convertem em celeiros de novas variantes do vírus.
Há fortes indícios que, mesmo após controlarmos a pandemia, a Covid-19 permaneça um longo tempo entre nós e que a vacinação contra este agente passará a integrar o calendário de vacinação dos países, tal qual ocorre com a vacinação contra a Influenza.
O grande aumento de casos pela variante Delta em vários países, inclusive o Brasil, alerta para o risco de uma nova onda. Portanto, ainda não é hora de pensar em voltar à vida normal. As atividades profissionais, de educação ou lazer terão que ser controladas, mantendo-se uso de máscaras e distanciamento entre as pessoas. Os locais fechados deverão ser evitados. O certificado de vacina deverá ser exigido para acesso a eventos e locais de concentração de pessoas. Quem apresentar sintomas deverá ser testado e, em caso positivo, deverá ser colocado em quarentena e os contactantes deverão ser rastreados e avaliados.
As ações das três esferas de governo, realizadas de maneira integrada e com base em evidências científicas, são vitais para o controle da pandemia e a mitigação das suas consequências. Mas, apenas será possível vencer a Covid-19 se a população assumir o papel que lhe cabe nesta guerra e adotar as medidas protetivas preconizadas pela Ciência e atender prontamente o chamamento da vacinação.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.