O que está em jogo no debate sobre subvenção do ICMS?

A questão sobre a incidência ou não de IRPJ sobre subvenção de ICMS é complexa e pode causar confusão na análise da proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Economics
14/04/2023
Edison Fernandes

O tema da incidência ou não de imposto (IRPJ/CSLL) sobre as subvenções de ICMS entrou definitivamente na pauta político-econômica. De um lado, o ministro da Fazenda trata do assunto; deoutro, os dirigentes de empresas beneficiadas se mobilizam. Acima deles, o Superior Tribunal de Justiça(STJ) se prepara para julgar o assunto. Correndo para tentar explicar do que se trata temos a imprensa eos analistas: políticos, econômicos e do mercado.

A questão do tratamento tributário dos benefícios de ICMS é complexa, com múltiplos aspectos e, porisso mesmo, pode causar bastante confusão. Sem pretender esgotar o assunto, tento aqui organizar um pouco as ideias e os pontos polêmicos.

Essa questão não é nova. Parecer da Receita Federal tratou desse assunto já no fim dos anos 1970. Oque temos é que recentemente a publicação de uma lei complementar (LC 160), cujo intuito era regulamentar os benefícios concedidos no âmbito da chamada “guerra fiscal”, alterou a lei (ordinária) dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) com o claro objetivo de restringir a discussão jurídica e judicial da matéria; mas, ao que parece, não atingiu tal desiderato.

Mas por que existe a discussão sobre a tributação ou não dos benefícios de ICMS?

Vamos começar com um exemplo bem simples – e que, para isso, não se refere aos incentivos de ICMS.Tomem um município que doa um terreno a uma empresa para que ela construa nele a sua nova fábrica, o que gerará investimento, postos de trabalho, comércio, enfim, desenvolvimento econômico-social. Aoreceber esse terreno, a referida empresa tem seu patrimônio aumentado, pois não dispendeu recursos para adquiri-lo. Na representação do seu patrimônio, então, vale dizer, nas demonstrações contábeis, essa doação recebida é escriturada como receita. E aqui está a questão: essa receita deve ou não deve ser alcançada pelos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL)?

No caso dos benefícios do ICMS a questão é um pouco mais complexa. Tomemos, agora, comoexemplo, a concessão de crédito presumido de ICMS (que o STJ identificou como grandeza positiva):para as empresas que se instalarem em determinado Estado, portanto, lá realizarem investimentos, gerarem empregos, comércio etc., o mencionado Estado concederá crédito presumido para que essa empresa pague parcial ou integralmente o ICMS devido nas suas operações.

Esse crédito presumido, contabilmente, também é uma receita: que deve ser tributada ou não porIRPJ/CSLL?

Atualmente, o STJ tem o entendimento de que essa receita não deve ser tributada, pois, com isso, a legislação tributária da União estaria reduzindo o benefício concedido pelo Estado, ferindo o pacto federativo.

Remanesce, no entanto, uma dúvida: essa receita, ao aumentar o lucro corporativo, pode ser distribuída como dividendos aos sócios? A legislação dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) em vigor determina que não, haja vista a obrigatoriedade de constituição de uma reserva de lucro (reserva de incentivos fiscais).

Além do mecanismo exemplificado nos parágrafos anteriores, os Estados também podem concederbenefícios de ICMS por meio de isenção, redução de alíquota, redução de base de cálculo e outras formas mais (identificadas pelo STJ como grandezas negativas). Nesse caso, na maioria das vezes, obenefício de ICMS é repassado ao preço, de maneira espontânea ou por determinação legal.

Existe, então, uma corrente de interpretação que entende que a lei complementar mencionada no iníciodo artigo (LC 160) estendeu o tratamento de subvenção a toda e qualquer forma de incentivo de ICMS, mesmo que o seu resultado não represente acréscimo ao patrimônio da empresa beneficiária, mas redução no preço de venda. É a este segundo formato de benefício de ICMS que se tem referido como subvenção para custeio, o que a mim não me parece ser adequado, como já comentei em artigo anteriormente publicado neste espaço.

Como se vê, não se trata de o ministro da Fazenda querer extinguir os benefícios de ICMS – aliás, elenem tem poder para isso, pois o ICMS é um imposto de competência dos Estados, portanto, dos governadores e das assembleias legislativas. O que o ministro pretende é rever a regulamentação sobreo tratamento dos benefícios de ICMS na apuração dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL); e, como alertado, esse assunto está na pauta do Superior Tribunal de Justiça.

Em resumo, o que está em jogo pode ser apresentado nas seguintes questões:

  • Toda subvenção governamental decorre de um incentivo fiscal; porém, todo e qualquer benefício deICMS pode ser considerado subvenção (no caso, para investimento)?;
  • Mesmo que um determinado benefício fiscal não represente acréscimo ao lucro e ao patrimônio daempresa (ou seja, a grandeza negativa a que se refere o STJ) seu “valor” deve ser retirado da base de cálculo dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL)?;
  • Considerado como subvenção governamental, o valor referente aos benefícios de ICMS podem serdistribuídos aos sócios a título de dividendos?


Enfim, esse assunto deve permanecer na pauta das próximas semanas. Vamos acompanhar e ouso dizer como minha companheira de blog Pilar Coutinho: será até divertido!

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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