Reformas e desempenho recente da produtividade
Existem oportunidades promissoras para que ocorra uma aceleração duradoura do crescimento da produtividade. Seria um grande desperdício não aproveitar o potencial de crescimento criado pelas reformas aprovadas nos últimos anos.
Assim como tem ocorrido desde 2021, os dados da atividade econômica têm surpreendido positivamente este ano, com revisões significativas para cima das projeções de crescimento do PIB. Mesmo em 2020, a queda do PIB foi bem menor que a prevista pelos analistas após a eclosão da pandemia de Covid-19.
Essas evidências trouxeram de volta o debate sobre a possibilidade de que as reformas nos últimos anos tenham contribuído para aumentar o crescimento da produtividade. Este é um tema importante que tenho discutido neste espaço, e que vale a pena revisitar à luz dos indicadores recentemente divulgados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE.
Os dados revelam que, após sucessivas quedas em 2022, a produtividade do trabalho cresceu no primeiro trimestre de 2023. Em particular, a produtividade por hora efetiva teve aumento de 1,3% em comparação com o mesmo período do ano passado e de 2,1% em relação ao quarto trimestre de 2022.
No entanto, este bom desempenho decorreu do crescimento extraordinário da produtividade da agropecuária, com elevação de 23,5% em relação ao primeiro trimestre de 2022. Já o setor de serviços, que concentra cerca de 70% das horas trabalhadas, teve queda de produtividade de 1,1% na mesma base de comparação.
A partir desta divulgação, o Observatório da Produtividade Regis Bonelli incorporou no cálculo da produtividade total dos fatores (PTF) o Índice de Capital Humano (ICH), que considera o acúmulo de anos de estudo e experiência da população ocupada e, desta forma, a mudança na composição das horas trabalhadas ocorrida ao longo dos anos.
Como a composição da população ocupada em termos de escolaridade e experiência tem melhorado no Brasil, estimativas que não incluem o capital humano como um fator de produção tendem a superestimar o crescimento da PTF. Além dessa questão estrutural, as mudanças significativas na composição da mão de obra que ocorreram durante a pandemia podem afetar as estimativas de PTF neste período.
Com a eclosão da pandemia e a grande redução das horas dos trabalhadores de menor escolaridade, o ICH teve uma forte elevação de 5,9% entre o quarto trimestre de 2019 e o quarto trimestre de 2020. Passada a fase mais crítica da pandemia, os trabalhadores menos escolarizados voltaram para o mercado de trabalho, resultando numa queda de 3,3% no ICH entre o quarto trimestre de 2020 e o quarto trimestre de 2021. Desde o final de 2021, o ICH retornou para sua tendência de crescimento observada no pré-pandemia.
Feito o ajuste das horas trabalhadas pelas variações do ICH, os dados mostram que, após quedas sucessivas desde o segundo trimestre de 2021, a PTF por hora efetiva cresceu 1,7% no primeiro trimestre de 2023 em relação ao mesmo trimestre de 2022 e 2,4% em relação ao trimestre imediatamente anterior.
Assim como observado no caso da produtividade do trabalho, esse bom desempenho não indica uma reversão estrutural do padrão anterior de queda, já que resultou em grande medida do forte crescimento da produtividade da agropecuária no primeiro trimestre.
Isso não significa que as reformas não tenham sido importantes. Como já comentei neste espaço, desde o ano passado tem ocorrido um aumento da formalização no mercado de trabalho, não somente do emprego com carteira assinada, mas especialmente dos trabalhadores por conta própria com CNPJ. É provável que a reforma trabalhista (incluindo a terceirização das atividades-fim) tenha contribuído para essas mudanças.
As reformas no mercado de crédito, como a criação da TLP, reformulação do cadastro positivo e open finance, tiveram importância significativa para o aumento da competição com fintechs e para o crescimento do mercado de capitais. Inovações como o Pix tiveram grande impacto no mercado de meios de pagamento.
Mudanças recentes no marco regulatório do saneamento tiveram resposta muito positiva do setor privado nos leilões de concessão realizados após a mudança na legislação, e o mesmo tende a ocorrer em outras áreas de infraestrutura que tiveram reformas recentes, como ferrovias e navegação de cabotagem.
Minha avaliação é que as reformas aprovadas nos últimos anos têm o potencial de aumentar a produtividade, mas para que esses ganhos se concretizem algumas condições precisam ser atendidas.
Um pré-requisito fundamental é estabilidade macroeconômica, em particular solvência fiscal. Embora o novo arcabouço não seja suficiente para conter o crescimento da dívida pública, ele evita um colapso imediato e pode assegurar algum grau de previsibilidade até o final do mandato do atual presidente.
Outra condição imprescindível para que os ganhos de produtividade possam se materializar é a redução da insegurança jurídica. Além do aumento significativo da eficiência alocativa, a reforma tributária em discussão no Congresso pode contribuir bastante para a redução do contencioso tributário. O Legislativo também tem tido uma atuação positiva no sentido de evitar reversões de reformas importantes, como a do saneamento e a privatização da Eletrobras.
Existem, portanto, oportunidades promissoras para que ocorra uma aceleração duradoura do crescimento da produtividade. Seria um grande desperdício não aproveitar o potencial de crescimento criado pelas reformas.
Este artigo foi publicado no Blog do IBRE em 10 de julho de 2023.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.