Estudo revela que herbicida mais utilizado no Brasil aumenta chances de mortalidade infantil

Aplicado especialmente na plantação de soja, o Glifosato pode ter sido responsável por mais de 500 mortes infantis anuais na última década
Políticas Públicas
26 Agosto 2024
Estudo revela que herbicida mais utilizado no Brasil aumenta chances de mortalidade infantil

O Glifosato representava 62% do uso de herbicida no Brasil, entre 2009 e 2016, voltado especialmente para produção de soja. Em 2017, a substância representava 30% dos herbicidas mais utilizados no mundo inteiro. Estima-se que, desde a década de 1990, após a criação de sementes resistentes à substância, o uso do produto aumentou cerca de 15 vezes. Além disso, segundo o DataInteligence, a aplicação de Glifosato em plantações agrícolas deve crescer 800% até 2025. Em meio a este cenário, um estudo da Fundação Getulio Vargas constatou que o produto tem efeitos sobre a saúde humana e identificou um aumento da mortalidade infantil em regiões próximas aos locais onde o Glifosato é aplicado.

O estudo indica que, entre 2000 e 2010, houve aumento de 5% na taxa de mortalidade infantil, o que corresponde a cerca de 503 mortes infantis por ano de crianças cujo as mães residiam próximas onde o Glifosato foi aplicado, mais especificamente, no trajeto do fluxo de água levando a substância aplicada em plantações agrícolas para rios, córregos e poços. O período analisado na pesquisa coincide justamente com a época em que houve aumento expansivo no uso do Glifosato.

Apesar desses indicativos encontrados pelos cientistas, o pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), Rudi Rocha, coautor do estudo, afirma que este número provavelmente subestima o efeito geral do uso de Glifosato sobre a saúde humana:

“Existe uma preocupação acerca da toxicidade subclínica dessas substâncias sobre as populações em geral, não sujeitas à exposição direta, mas expostas a baixas concentrações através da ingestão de água ou alimentos contaminados”, explicou o pesquisador. Ele ressalta ainda que este tipo de intoxicação é apenas a ponta do iceberg, pois pesticidas como este são capazes de causar uma ampla gama de efeitos assintomáticos em níveis de exposição muito baixos que não produzem sinais e sintomas evidentes.

“A população afetada por esta toxicidade subclínica pode ser muito maior do que a parcela afetada pela exposição direta”, alertou. Rocha também contextualiza que não está claro como essa contaminação indireta tem efeitos relevantes sobre a saúde humana, por isso, destaca a importância de estudos como este para compreender as consequências do uso de pesticidas em geral, a fim de contribuir para um debate público sobre o tema, que até então, é dominado por interesses econômicos e controvérsias científicas.

De acordo com o pesquisador, os produtores deste herbicida costumam defender que as condições físico-químicas do produto são boas, com uma meia-vida curta que faz o Glifosato se decompor em uma outra substância pouco nociva. Porém, já existem evidências científicas que constataram a presença do produto nas coletas de água provenientes de rios, córregos, entre outros, em localidades diferentes da região onde o produto foi aplicado.

Conduzindo os experimentos

Rudi Rocha destaca que evidências científicas já comprovam em laboratório que embriões humanos são particularmente sensíveis às condições ambientais e ao Glifosato. O produto, ao ser aplicado em plantações para eliminar ervas daninhas, pode ser capaz de afetar células placentárias e o feto. Para testar o nível deste efeito, Rocha conduziu uma série de estimações econométricas, junto aos pesquisadores Mateus Dias, da Católica-Lisbon School of Business and Economics, e Rodrigo Soares, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). O grupo analisou bases de dados municipais que cobrem todas as cidades das regiões Sul e Centro-Oeste do país.

Em busca de capturar o efeito do Glifosato na saúde humana, o grupo precisou em primeiro lugar eliminar questões correlacionadas. “É muito difícil medir o impacto dos pesticidas sobre a saúde humana por inúmeras questões, é delicado porque muitas regiões que utilizam esses produtos passam a crescer economicamente, se conectando com outras regiões, gerando imigração, etc. Então é um desafio isolar especificamente o efeito do Glifosato sobre a saúde”, apontou Rudi Rocha.

Para medir o efeito do produto sobre a saúde humana sem interferências socioeconômicas, os pesquisadores utilizaram um método econométrico baseado em uma técnica estatística conhecida como “variável instrumental”, capaz de mensurar a adequação natural ao Glifosato a nível local, sem estar correlacionada com outras características.

“Exploramos a ideia de que ao ser aplicado em uma área específica, este herbicida pode contaminar o solo, e por meio do fluxo de água ser carregado rio abaixo, afetando pessoas que consomem a água longe do local onde o pesticida foi usado”, explicou o pesquisador.

O estudo utilizou bases de dados de bacias hidrográficas no Brasil para investigar o fluxo de água em cada uma delas e vincular essas informações com dados de nascimento no país. Além disso, também foram utilizados dados de precipitação para identificar o nível de chuva, a fim de avaliar se o fluxo de água era capaz de levar o Glifosato para outras regiões.

“A ideia era a seguinte: em uma determinada localidade onde ocorre aumento na utilização da substância, que se deu principalmente após a liberação do uso de sementes geneticamente modificadas de soja e resistentes ao glifosato, analisamos o impacto na saúde infantil em populações que residem em regiões próximas, considerando o fluxo hidrográfico subterrâneo e superficial. Ou seja, se um produtor agrícola aplica o Glifosato em uma plantação, após a chuva ou irrigação, olhamos para os municípios que estariam abaixo daquela região, por onde aquela água potencialmente contaminada passaria”, detalhou Rocha.

Quando o fluxo da água é fatal

Ao investigar a presença do Glifosato neste fluxo hídrico, a pesquisa constatou a deterioração na saúde infantil justamente em áreas próximas e à jusante de onde houve aumento no uso de Glifosato. Este aumentou cresceu consideravelmente a partir de 2004, quando houve mudanças na lei para permitir o uso de sementes de soja geneticamente modificadas.

Além disso, quanto maior for o volume de chuva na região onde o produto é aplicado, e quanto mais inclinado esse terreno for, maior será a disseminação da substância para as regiões do entorno e, consequentemente, maior o impacto na mortalidade infantil. “Quando chove mais, e onde o terreno é mais inclinado e tem maior nível de erodibilidade, a chuva arrasta o produto para outras regiões com mais rapidez”, alega Rocha.

Além de mortalidade infantil, a pesquisa identificou ainda um aumento de nascimentos prematuros e baixo-peso ao nascer, também nas regiões enquadradas no fluxo da água, que vai da plantação agrícola onde o Glifosato foi aplicado até as residências localizadas rio abaixo.

Para certificar que os danos causados à saúde humana foram provenientes do herbicida em específico, e não de outras substâncias presentes na água, os pesquisadores realizaram uma série de testes de robustez, que avalia a precisão e estabilidade das estimativas. “Utilizamos dados de estações de tratamento da água para verificar se outras substâncias além do Glifosato estavam presentes, e não foram encontrados resquícios de outros produtos”, elucidou Rocha.

Por fim, o pesquisador reitera que o perfil da mortalidade é consistente com o que seria esperado da exposição ao Glifosato durante a gravidez: 56% do efeito total vêm de condições do período perinatal e 19% vêm de condições respiratórias. Ele acrescenta que cientistas têm reexaminado recentemente as alegações de que o Glifosato é um pesticida seguro, com pouco ou nenhum efeito sobre a saúde humana.

“Já existiam dados sobre o efeito do Glifosato na saúde humana de forma mais direta, como já ocorreu diversas vezes de agricultores utilizarem esse produto e adoecerem após o manejo do mesmo. Entretanto, não havia informações sobre como essa substância é capaz de interferir na saúde da população do entorno. Como esses resultados eram desconhecidos quando as regulamentações atuais foram estabelecidas, uma nova discussão deve ser iniciada sobre o marco regulatório para o uso e manuseio de herbicidas à base de Glifosato”, concluiu.

Para ler o estudo na íntegra, clique aqui.

Para mais informações sobre a FGV EAESP, clique aqui.

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