Levantamento aponta que Análise de Impacto Regulatório não avança quatro anos após implementação
A análise de impacto regulatório (AIR), criada e tornada obrigatória com o propósito de trazer racionalidade econômica e transparência às decisões da administração pública, ainda enfrenta dificuldades para se consolidar no Brasil, mesmo após mais de quatro anos de sua implementação. Entre os motivos para a baixa adoção da ferramenta por agências reguladoras e órgãos governamentais estão a falta de critérios claros para sua aplicação e a estrutura insuficiente das instituições públicas.
Um estudo do projeto Regulação em Números, da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio), revelou que apenas 17,8% dos atos normativos emitidos por 11 agências reguladoras federais foram elaborados com suporte da AIR. Além disso, 32,1% dos atos foram dispensados dessa análise, e em 50,1% dos casos a AIR simplesmente não foi realizada.
A AIR foi introduzida pela primeira vez em 2019 com a Lei Geral das Agências (13.848/19) e teve seu alcance expandido no mesmo ano pela Lei da Liberdade Econômica (13.874/19). Posteriormente, um decreto de junho de 2020, assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro, regulamentou os dispositivos legais, estabelecendo os conceitos, requisitos e prazos para a execução da AIR no Brasil.
"A análise de impacto regulatório tem uma importância que é muitas vezes negligenciada, que é a diminuição de custos, tanto da regulação quanto da atividade administrativa para o setor regulado, para os agentes econômicos e para a sociedade como um todo. É trazer racionalidade econômica para a tomada de decisão", explica Natasha Salinas, coordenadora científica do levantamento, que considerou o período de três anos entre abril de 2021 e abril de 2024.
Segundo ela, o principal sinal de alerta sobre o uso da ferramenta - bastante difundido nos EUA e na Europa - não está exatamente no baixo percentual de adoção da AIR. O maior foco de preocupação, na avaliação de Salinas, está na ausência de parâmetros claros sobre quais tipos de atos são passíveis de análise regulatória e em quais ela pode ser dispensada.
"A AIR não pode ser usada para tudo, senão engessa a administração. Mas ainda não há parâmetros para dizer quando tem que ser feita ou não. Nos EUA, por exemplo, havia um corte de US$ 100 milhões de impacto esperado (para o projeto). Esse número mudou para US$ 200 milhões, recentemente. A gente não tem esse número mágico aqui. Precisa haver uma discussão mais qualificada sobre esse limiar", explicou a professora.
Outro desafio mencionado é a aplicação da "dispensa" da análise, prevista na legislação. As principais justificativas para dispensá-la são a existência de uma norma superior e a urgência das medidas. No entanto, ainda não é possível avaliar a consistência desses pedidos de dispensa, de acordo com a equipe da FGV Direito Rio.
Um exemplo positivo de uso da AIR no Brasil foi o processo de rotulagem nutricional de alimentos, conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que resultou em um consenso razoável entre todos os envolvidos, apesar de não satisfazer completamente nenhuma das partes.
Entre as agências que mais utilizaram a AIR estão a Anatel (91%), seguida pela ANTT (60,5%) e Anac (46,9%). Por outro lado, agências como a Ancine (5%), ANS (7,7%) e a própria Anvisa (7,8%) foram as que menos utilizaram a ferramenta, com as duas últimas sendo afetadas pela pandemia, que exigiu ações urgentes.
Outro obstáculo para o uso eficaz da AIR é a falta de recursos humanos. A análise demanda meses de trabalho especializado, e muitas agências reguladoras enfrentam problemas com a escassez de pessoal. O estudo revelou que nenhuma autarquia realizou mais de 25 AIRs no período de três anos analisado.
Os dados indicam que a ferramenta ainda não atingiu seu potencial e não há sinais claros de que isso ocorrerá em breve. "Hoje, temos um instrumento que todos precisam usar, o que é um progresso, mas ainda há muito a melhorar. A AIR ainda não está cumprindo plenamente seu propósito, e resta saber se está realmente contribuindo", conclui Salinas.
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