Direito

Pesquisa revela que Justiça Trabalhista adota tratado da OIT em casos de assédio 

Tratado internacional amplia conceito de assédio e, na ausência de um dispositivo que regulamente a ação, pode ser mais acionado no futuro

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Mulher mexendo em documentos de pesquisa

Em 2019, a Organização Internacional do Trabalho criou a Convenção 190 (C190), tratado que amplia o conceito de igualdade e não discriminação, com a segurança e saúde no trabalho num único instrumento.  

Entre as inovações da C190, está a ampliação do conceito de assédio, principalmente para relações de trabalho terceirizadas. O Brasil assinou a convenção e, apesar de ainda não ter sido ratificada, a Justiça Trabalhista brasileira começa a citá-la em suas decisões, introduzindo essas transformações na jurisprudência.  

Essa é uma das principais conclusões da pesquisa “Impactos da Convenção 190 da OIT no Direito Brasileiro”, produzido pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Desenvolvimento (GPTD) da FGV Direito SP.  

A pesquisa revela ainda que em boa parte dos casos, quando a C190 é citada, a menção é feita com o objetivo de reforçar argumentos, como um fundamento extra, sem tensionar o Direito interno, não provocando mudanças verdadeiras.  

De acordo com a coordenadora da pesquisa e professora da FGV Direito SP, Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto, utilizar a Convenção 190 é essencial.  “Observamos que a C190 tem grande potencial de fazer a diferença, seja porque contribui para o reconhecimento e combate a múltiplas formas de violência, seja porque alarga a concepção de meio ambiente do trabalho, ou porque se aplica além da relação típica de emprego, expandindo os horizontes do próprio Direito do Trabalho no Brasil.”  

Nos dois últimos anos (2023 e 2024) foram analisadas 651 decisões sob processos trabalhistas. Dessas, 424 concentraram o uso da Convenção 190 e foram feitas por cinco Tribunais Regionais do Trabalho: TRT4, TRT5, TRT3, TRT9 e TRT2 (nessa ordem). Já no Tribunal Superior do Trabalho, apenas em cinco casos (1,22%) as decisões citavam a Convenção 190. 

A análise destaca ainda que apenas 10 magistrados(as) relatores(as) foram responsáveis por 272 casos, o que representa mais de 40% do total de decisões sobre o tema. Tal dado revela uma concentração significativa dos julgados em um número reduzido de magistrados(as). Por um lado, isso pode se justificar em razão de particular interesse desses(as) magistrados(as) na C190; e, por outro lado, pelo possível desconhecimento da Convenção 190 por grande parte deles ou por entenderem que ela não poderia ser aplicada, dado que não foi ratificada. 

Dentre os temas discutidos quando a C190 foi mencionada na decisão, o assunto assédio moral foi o que mais se destacou e apareceu em 570 decisões; seguido por assédio sexual, 68; e discriminação, 34 decisões.  

tema discutido quando a C190 é utilizada

 

Em relação ao local em que ocorrem os casos de assédio, a maioria dos casos analisados (610) ocorreram dentro do estabelecimento físico da prestação de serviços (ambiente interno). Em segundo lugar, observa-se que, em 44 decisões, a violência foi sofrida no ambiente virtual.  

Local da violência

 

O estudo revela ainda que a maior parte das vítimas de assédio no ambiente de trabalho (392 decisões) são mulheres, enquanto em 233 as vítimas eram do gênero masculino. Em 16 havia alguma menção sobre a orientação sexual da vítima, indicando pertencer ao grupo LGBTQIAPN+. 

Gênero e orientação sexual

 

Quanto à natureza jurídica da relação envolvida no litígio, grande parte das decisões (614) envolve contratos de emprego típico, seguida de 21 sobre trabalhadores terceirizados.  

Natureza jurídica

 

Outro aspecto evidenciado no estudo é que na maioria da amostra (545 decisões) os agressores ocupavam uma posição superior na hierarquia organizacional, ou seja, eram gestores diretos, chefes de setor e outros cargos de liderança que exercem poder sobre os trabalhadores subordinados. Por outro lado, os colegas de trabalho com a mesma posição hierárquica foram responsáveis por 52 decisões. 

 

 

Por fim, entre as decisões examinadas, a violência foi reconhecida em aproximadamente 75% dos casos (489 decisões), demonstrando uma tendência significativa de acolhimento das alegações de assédio ou discriminação quando a Convenção 190 foi evocada. Por outro lado, quase 23% dos casos analisados (149 decisões) concluíram pela inexistência da violência, seja por insuficiência de provas, seja por entenderem que os fatos narrados não se enquadravam no conceito aplicado de assédio. 

Metodologia  

A pesquisa teve como objetivo compreender quais são os possíveis impactos da C190 no Direito brasileiro. Para isso, a metodologia valeu-se de três estratégias centrais: pesquisa bibliográfica, pesquisa jurisprudencial (desenvolvida a partir de decisões judiciais, obtidas da base de dados da empresa de jurimetria Data Lawyer, acessada em razão de acordo de cooperação técnica firmado entre a Data Lawyer e a Fundação Getulio Vargas) e pesquisa com outras fontes documentais, como portarias e protocolos relacionados ao tema.