Projeto da FGV com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania propõe mais segurança às escolas
Com o objetivo de desenvolver habilidades de comunicação, gerenciamento de emoções, construção de autoestima e combater a agressividade entre estudantes, a FGV através de uma parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, desenvolveu o Programa Na Moral. Embasado por Técnicas Cognitiva-Comportamental (TCC), o programa é composto por 14 oficinas e no último trimestre de 2022 e primeiro trimestre de 2023, um projeto piloto do programa foi implementado em sete escolas da Rede Municipal de São Paulo.
A coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública (FGV CCAS), Joana Monteiro, uma das pesquisadoras responsáveis por criar Na Moral, destaca que o projeto foi inspirado no programa americano Becoming a Man, que já alcançou ótimos resultados em suas avaliações. “Programas com este tipo de abordagem são capazes de reduzir a evasão escolar, melhorar o comportamento nas escolas e diminuir o envolvimento dos estudantes em atos infracionais”, disse Monteiro.
O foco do programa criado para o Brasil está em controlar a agressividade e a violência no comportamento dos estudantes. “Este tipo de abordagem pode ser uma solução para diminuir episódios de violência extremos como os ataques recentes ocorridos em escolas do Brasil”, acrescentou a coordenadora.
A psicóloga Natália Ribeiro esteve por trás do desenvolvimento das oficinas implementadas nas escolas e acredita que, em vez de doutrinar os jovens, a abordagem deve ser ensiná-los a pensar de forma mais racional. Assim, eles podem desenvolver habilidades importantes não somente para a vida escolar, mas também para o futuro desses estudantes.
“Trabalhamos com o conceito de ‘Think Slow’, que centraliza o jovem para a tomada de decisão racional, ou seja, o pensar antes de agir, a fim de diminuir a impulsividade. A gente faz o aluno raciocinar e refletir sobre onde ele está, aonde ele quer chegar, e o que ele precisa desenvolver para chegar até lá”, introduziu Ribeiro.
Desenhado para a realidade brasileira
Depois de identificar modelos bem-sucedidos, a segunda etapa para a criação do Na Moral, após o desenho das oficinas, foi a validação do conteúdo e a percepção acerca dos principais desafios na sua implementação. A próxima etapa busca engajar um número maior de alunos e submeter o programa a uma avaliação de impacto para entender se de fato a metodologia aplicada alcança os objetivos almejados pelo projeto.
Além do combate à violência de uma forma mais geral, o projeto foi desenhado com vista a reduzir quatro fatores: o abandono escolar, o envolvimento em atos infracionais, e o contato com álcool e outras drogas.
Segundo a psicóloga, a forma como o projeto é aplicado é o que faz toda a diferença no esforço de diminuir a agressividade dentro do ambiente escolar. Com formato lúdico semelhante a jogos, as oficinas são capazes de envolver e atrair os estudantes por utilizar a estratégia de replicação de pares.
“Queremos enraizar um outro tipo de repertório nesses jovens e de uma maneira mais funcional, que é em grupo. Nossa ideia de trabalhar com grupos vem no sentido de reproduzir essas experiências em pares, pois pessoas dentro de um mesmo grupo, principalmente os jovens, podem aprender melhor através da identificação rápida e do fluxo de ideias contínuas”, contextualizou a psicóloga.
Ciência como solução para combater a violência
A psicóloga também explica que o processo de aprendizagem pode ocorrer de duas formas, a primeira é por repetição, a partir do momento em que um indivíduo repete um ato tantas vezes que acaba por torná-lo parte de seu próprio repertório. Já a segunda forma diz respeito a imitação, onde entra a estratégia de aplicar as oficinas em grupo. “Com grupos de 10 a 15 alunos nós trabalhamos modelos capazes de contaminá-los positivamente uns aos outros”.
De acordo com Ribeiro, também é importante saber que o projeto não foi criado pensando em um público específico, ou somente direcionado para escolas localizadas em áreas violentas. “O Na Moral foi desenvolvido para ser eficaz em qualquer grupo de adolescentes, de qualquer etnia, cultura, entre outras particularidades”, reitera a psicóloga. Segundo Ribeiro, isso só é possível porque qualquer adolescente, de qualquer lugar do mundo, compartilha os mesmos princípios biológicos e outros comportamentos que são padrões durante esta etapa da vida em qualquer indivíduo.
Desafios da adolescência
A psicóloga detalha a estratégia de psicoeducação utilizada neste projeto: “é geralmente na fase da adolescência que o indivíduo tem contato com álcool e outras drogas, seja por se deparar com pais e amigos bebendo, ou pelo ambiente em que ele vive, podendo ser até mesmo devido a curiosidade”, pontuou.
Acontece que é justamente neste momento de curiosidade ou conveniência que o programa atua para tentar diminuir o comportamento de risco. Ribeiro explica que é passado para os estudantes os efeitos causados pelo álcool, tanto no comportamento de quem bebe, quanto na sua vida em sociedade, passando pelos efeitos biológicos, entre outros fatores.
Estrutura das oficinas
Questionada sobre como funcionam as oficinas na prática, quais tópicos são abordados e como as dinâmicas são organizadas, Ribeiro afirma as atividades não se confinam em um modelo de sala de aula. “Elas foram desenhadas com a única prerrogativa de ter fácil acesso ao público jovem e ser replicável em diferentes ambientes”, destacou.
Uma das oficinas que fazem parte do programa é conhecida como Modelo de Ponte, cujo objetivo é sensibilizar os participantes para encontrar formas mais assertivas de chegar aos seus objetivos.
A dinâmica começa com o desenho de uma ponte no quadro, onde o início da ponte representa o local onde os jovens estão na atualidade. O final da ponte representa onde eles querem chegar, no rio estão os problemas e empecilhos que eles precisam enfrentar para alcançar os objetivos, e por fim, cada parte da ponte simboliza o que eles precisam ter para chegar ao outro lado.
Figura 1 - Imagem que ilustra esta oficina.
Um tópico importante sobre essa oficina é que as proposições sobre desafios e anseios parte dos próprios alunos, que possuem a liberdade de falarem sobre a própria realidade. “Estamos plantando sementes fortes, para contaminar esses jovens de forma positiva, utilizando o efeito manada que é tão propício nesta parcela da sociedade para que eles sejam propagadores de ciência e contaminem diferentes grupos dos quais fazem parte fora da escola”, conta a psicóloga.
Políticas públicas para diminuir violência nas escolas
Diante dos recentes episódios de violência entre as escolas do Brasil, torna-se cada vez mais necessária a criação de políticas públicas voltadas para diminuir a incidência desses ataques violentos no ambiente escolar. Neste sentido, Joana Monteiro relembra que desde 2019 a Fundação investigou projetos que fossem capazes de prevenir este tipo de violência.
“Este tipo de abordagem é uma das maiores promessas para reduzir o comportamento violento nas escolas. Atualmente, o modelo está sendo testado em São Paulo, mas futuramente poderá ser adaptado a outras redes de ensino em diferentes regiões do país”, pontuou Joana Monteiro.
Ela também destaca que a sociedade precisa contar com políticas públicas que auxiliem os jovens a navegarem melhor durante este período complicado que é a adolescência. Segundo Monteiro, esta é a primeira vez que ela se depara com um programa deste nível, pautado entre a academia e a gestão pública. “O Na Moral abre espaço para promover cultura de paz, de uma forma concreta para atender a todos os estudantes”.
Implementação nas escolas
Monteiro afirma que a perspectiva é atingir mais de 1200 alunos no próximo ciclo do programa, além disso, o acompanhamento das atividades passa a ser uma parte fundamental daqui para frente.
“O monitoramento dos alunos que participaram e os que não participaram do programa, fará parte das nossas atividades a fim de mensurarmos os resultados e compararmos, para entender de forma mais aprofundada o impacto deste projeto”.
Rafael Aquino, pesquisador da FGV e coordenador da primeira fase do projeto, explica que as primeiras escolas selecionadas para receberem o programa foram indicadas pelo Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (NAAPA), da Secretaria de Educação de São Paulo.
“O NAAPA já atende qualquer estudante que esteja em vulnerabilidade de aprendizado e que esteja exposto a diferentes tipos de violência. A seleção e sensibilização das unidades de ensino foi feita a partir de um mapeamento das escolas e seus estudantes pelo NAAPA, que foi responsável por intermediar esse contato da FGV com as escolas”, afirmou Aquino.
Aquino acredita que para muitos desses jovens a habilidade de lidar com as emoções pode ser mais difícil até do que lidar com o aprendizado do próprio conteúdo pedagógico. “O Na Moral é uma capacitação de habilidades socioemocionais, com potencial de fornecer as ferramentas necessárias para melhorar a vida dos participantes, e contribuir de forma mais ampla para um ambiente escolar mais saudável e menos violento”, disse o pesquisador.
A psicóloga Natália Ribeiro complementa que o Na Moral foi desenvolvido para escolas do município de São Paulo, mas com potencial de ser nacionalizado. “Com pequenos ajustes culturais para a realidade de cada cidade e região, é possível dizer que, no futuro, poderíamos também aplicar este projeto em locais que vão desde as cidades do interior, até as grandes metrópoles do país”.
Para saber mais sobre o projeto, acesse a página no site do FGV CCAS.
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