Institucional

Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens – FÁCIL

Autor
Gabriela Borges
Laura Oliboni
Data

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou, em setembro de 2024, a consulta pública SDM 01/2024 (“CP SDM 01/2024”), que pretende coletar contribuições sobre propostas de alterações normativas que visam criar um ambiente regulatório simplificado, voltado especificamente para as companhias de menor porte (CMPs), que possuem receita bruta consolidada inferior a R$ 500 milhões, conforme estabelecido nos artigos 294-A e 294-B da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”). O novo regime, denominado FÁCIL (Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens), tem como propósito fomentar um ambiente regulatório mais acessível e favorável a essas empresas, incentivando seu acesso ao mercado de capitais e promovendo seu crescimento, por meio de alternativas de financiamento.

O FÁCIL pretende atender sociedades empresárias que se posicionam entre o crowdfunding – que atende empresas com até R$ 40 milhões de faturamento bruto e que desejam realizar ofertas públicas de até R$ 15 milhões – e o mercado tradicional de valores mobiliários. De acordo com pesquisa da B3 em parceria com a Deloitte[1], os custos de abertura de capital chegam, em média, a 4,9% do valor a ser distribuído. O FÁCIL visa atrair novos entrantes por meio da redução desses custos, especialmente os relacionados à conformidade regulatória. Nesse sentido, por meio de dispensas e simplificações procedimentais, pretende-se equilibrar os custos de conformidade regulatória com a realidade financeira das CMPs.

Dentre as principais mudanças propostas, destacam-se as seguintes: 

  • Registro Automático de Emissor: Companhias de menor porte poderão obter registro automático na CVM após a listagem em entidades administradoras de mercados organizados, dispensando o processo tradicional de registro.

  • Simplificação de Exigências Regulatórias: O Formulário de Referência (FRe), o prospecto e a lâmina de ofertas públicas serão substituídos por um único formulário simplificado (Formulário FÁCIL), a ser apresentado anualmente ou quando houver ofertas públicas.

  • Divulgação de Informações Contábeis Semestrais: a norma em consulta pública prevê que as companhias de menor porta poderão apresentar informações contábeis semestrais, em vez da atual exigência trimestral (Informações Trimestrais Financeiras – ITR).

  • Quórum de Cancelamento de Registro via OPA: redução do quórum necessário para o cancelamento de registro de companhia aberta via Oferta Pública de Aquisição (OPA) de 2/3 (dois terços) para metade das ações em circulação.

A proposta da CVM apresenta, ainda, três modalidades principais de ofertas para companhias de menor porte registradas e uma adicional para emissores não registrados. Esses regimes buscam simplificar o acesso dessas empresas ao mercado de capitais:

  • Oferta com Observância Integral da Resolução CVM nº 160/2022: Nesta modalidade, a companhia segue todas as regras vigentes, conforme a Resolução CVM nº 160/2022. Não há flexibilizações, e a empresa deve cumprir todas as obrigações de divulgação, incluindo as exigências documentais e divulgação de informações contábeis trimestrais. A companhia pode ter obtido registro de emissor de forma automática e usufruir de dispensas nas obrigações de manutenção de registro, mas sem flexibilizações na oferta em si. Essa modalidade tem por vantagem a ausência de limite no valor das ofertas.

  • Oferta com Observância Parcial das Resoluções CVM. As companhias podem substituir documentos tradicionais, como o prospecto, pelo Formulário FÁCIL, que concentra as informações essenciais de forma simplificada. Além disso, as entidades administradoras de mercado podem credenciar agentes para atuar como coordenadores de ofertas, ampliando o leque de participantes no processo de distribuição. Contudo, há um limite: o valor total das ofertas não pode ultrapassar R$ 300 milhões a cada 12 meses.

  • Oferta Direta: admite-se a realização de ofertas públicas sem a necessidade de intermediários financeiros, como bancos ou coordenadores líderes. A negociação ocorre diretamente no ambiente de mercado organizado, onde investidores podem adquirir valores mobiliários da empresa de forma direta e transparente. O processo é regido por um procedimento especial, que assegura critérios objetivos de alocação, como preço e quantidade, garantindo equidade entre os participantes. Novamente, o limite de captação é de R$ 300 milhões por período de 12 meses.

  • Oferta de Dívida para Investidores Profissionais por Emissores Não Registrados: Esta modalidade permite que empresas não registradas na CVM emitam títulos de dívida destinados exclusivamente a investidores profissionais. A proposta dispensa a necessidade de auditoria das demonstrações financeiras e a contratação de intermediários. No entanto, limita o público-alvo a investidores com alta capacidade técnica para avaliar os riscos envolvidos. Ainda assim, o mesmo limite de R$ 300 milhões por período de 12 meses se aplica.

A simplificação dos regimes de oferta apresenta inúmeras vantagens. Para as companhias de menor porte, reduz-se significativamente o custo e a complexidade para o acesso ao mercado de capitais. A possibilidade de realizar ofertas sem intermediários e com documentações simplificadas democratiza o acesso ao financiamento, incentivando o empreendedorismo e a inovação.

Por outro lado, essa flexibilização levanta preocupações legítimas. A redução de intermediários e a simplificação de documentos podem comprometer as informações disponíveis para os investidores. Sem a atuação de coordenadores líderes, como assegurar que os investidores, especialmente os não profissionais, terão informações suficientes para tomar decisões informadas? Mesmo sendo as ofertas destinadas a investidores profissionais, a ausência de obrigatoriedade de auditoria independente poderia gerar um agravamento em casos de fraudes no mercado de capitais?

É fundamental que, ao buscar dinamizar o mercado, não se comprometa a integridade e a confiança que o sustentam. A CVM propõe mecanismos de salvaguarda, como a definição restritiva de investidores profissionais e a exigência de divulgação de informações essenciais através do Formulário FÁCIL. Porém, a eficácia dessas medidas dependerá da implementação prática e da capacidade de supervisão da entidade administradora do mercado de capitais brasileira, a B3.

A CVM receberá contribuições à Consulta Pública SDM 01/2024 até o dia 06 de dezembro de 2024, por meio do e-mail conpublica0124@cvm.gov.br.
 


[1] B3; Deloitte. Custos de operação como companhia aberta. Disponível em: https://www.b3.com.br/data/files/01/B3/59/BB/06AD2810AA8B5C28AC094EA8/Custos%20de%20cia%20aberta.pdf. Acesso em 20/10/2024.

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