Acesso à Internet por crianças e adolescentes: Dicas de como auxiliar os pais nesse processo de vida conectada

Diante de tantos desafios, é importante ter em mente princípios que podem ajudar tanto na orientação aos filhos quanto na definição de regras.

Comunicação
08/04/2024
Renata Tomaz

O aumento do acesso à internet por crianças e adolescentes no mundo, de modo geral, e no Brasil, de modo específico, tem crescido de forma constante e persistente. De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil lançada em 2023, mais de 95% da população entre 9 e 17 anos de idade são usuários da internet. Destes, 88% afirmam ter algum perfil em rede social. O Instagram é a mais usada entre os respondentes, e a preferida dos que têm entre 15 e 17 anos (62%). O YouTube e o TikTok se destacam mais entre os pré-adolescentes (9 a 11 anos). Diante desse cenário, se impõe às famílias contemporâneas o desafio de criar e educar filhos capazes de serem bem-sucedidos em um contexto digital e, ao mesmo tempo, terem uma experiência segura.

A pandemia intensificou em alguns dígitos a velocidade de ingresso dos mais jovens no cotidiano social plataformizado. Aulas, consultas médicas, consumo midiático e interação social são algumas das práticas que realizam, cada vez mais corriqueiramente, no modo on-line, diante de uma tela. Tais dinâmicas, entretanto, têm revelado problemáticas que se avolumam proporcionalmente a esse acesso: violações de privacidade, exploração comercial, bullying, assédio, crises de ansiedade e transtornos de autoimagem são algumas dessas problemáticas. Nesse sentido, cresce também entre as famílias a necessidade de compreender que aspectos podem contribuir para uma experiência digital segura para crianças e adolescentes.

Há, pelo menos, três aspectos que precisam ser levados em conta quando falamos na inserção dos mais jovens no espaço da internet. O primeiro deles diz respeito ao mito do nativo digital. O fato de terem crescido em uma sociedade conectada, sabendo apertar botões e configurar contas de serviço, não significa que tenham maturidade para lidar com as demandas e urgências desse ambiente. Uma coisa é saber configurar o celular da avó, outra é conseguir identificar se o convite que chegou é um golpe ou não. É importante não deixar o orgulho de ver filhos “sabidos” tornar-se ingenuidade quanto ao que realmente são capazes de fazer.

O segundo aspecto que responsáveis precisam considerar é a multiplicidade de interlocutores que crianças e adolescentes passaram a ter nesses ambientes. Isso pode ser um problema tanto para os casos de adultos que se fazem passar por crianças e adolescentes para ganhar a confiança deles, quanto de corporações que usam figuras jovens para promover produtos, marcas e serviços. O Ministério Público de São Paulo condenou a Mattel, em 2020, por utilizar o canal de uma youtuber criança para promover uma linha de bonecas. O argumento de condenação foi o de que as crianças não tinham como ter insumos para compreender de que se tratava de uma campanha publicitária. Logo, estavam conversando com uma empresa, embora parecesse que fosse com a youtuber. Crianças precisam ser ensinadas a buscar e cobrar transparência nos processos. É preciso distinguir o fantasioso do enganoso. Uma coisa é explorar a imaginação. Outra é explorar a pouca experiência da criança. Adultos precisam ajudar os mais jovens a questionar o que veem e ouvem na internet.

O terceiro aspecto a ser considerado é a privacidade, um direito de crianças e adolescentes no Brasil. Quando pais e mães expõem fotos e vídeos com seus filhos e filhas, dificilmente consideram até onde essas imagens podem chegar e o que pode ser feito com elas. Comumente, imaginam amigos e familiares admirando e atribuindo corações e elogios. Contudo, há uma série de apropriações que podem ser feitas dessas imagens para fins incontáveis, gerando o que chamamos de sequestro de identidade. Além disso, não é possível garantir que os filhos vão gostar, no futuro, do modo como foram retratados nessas imagens. Já há casos de filhos processando pais pela prática de oversharenting. A imagem, a voz e a intimidade dos mais jovens precisam ser preservados. Antes de publicar certifique-se de quem realmente vai ver e, se a criança puder entender, pergunte a ela se tudo bem compartilhar.

O acesso de crianças e adolescentes à internet é uma realidade e lidar com isso é uma exigência da qual responsáveis não podem escapar. Diante de tantos desafios, é importante ter em mente princípios que podem ajudar tanto na orientação aos filhos quanto na definição de regras. É nesse sentido que os aspectos podem ser considerados: não confundir vivência digital com maturidade digital; cuidar para a prática da fantasia não seja tomada por práticas de engano; tratar a imagem da criança com respeito e segurança. 

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Renata Tomaz

    É professora adjunta e coordenadora do curso de graduação na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI). Jornalista com mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ), investiga as relações entre mídia, processos de socialização de crianças e cultura digital. Entre seus interesses de pesquisa estão as mídias sociais e a governança na internet.

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