Após forte elevação, produtividade do trabalho se mantém acima da tendência de queda pré-pandemia

Em 2023 os dados mostram um novo padrão na dinâmica de crescimento setorial que pode ter contribuído para o bom desempenho da produtividade, com setores mais produtivos apresentando maior expansão do valor adicionado.

Economia
28/09/2023
Fernando Veloso
Silvia Matos
Fernando de Holanda Barbosa Filho
Paulo Peruchetti

Os eventos associados à pandemia de Covid-19 tiveram forte impacto sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho, e elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação à dinâmica dos indicadores de produtividade, especialmente no Brasil.

Nas últimas semanas foram divulgados dados de produtividade do trabalho para economias avançadas, como os Estados Unidos e Reino Unido. Nos Estados Unidos foi verificada uma elevação da produtividade por hora trabalhada agregada e queda da produtividade do setor manufatureiro no segundo trimestre de 2023, em comparação com o mesmo período de 2022. No Reino Unido houve estabilidade no indicador que considera como medida do fator trabalho o número de pessoas ocupadas e ligeiro aumento na métrica que considera as horas trabalhadas.[1]

Desde 2019, o Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE tem divulgado estatísticas de produtividade por pessoal ocupado e por hora trabalhada. Esta última medida considera duas informações sobre o total de horas trabalhadas. A primeira são as horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações, obtidas da PNAD Contínua, que têm como referência uma semana em que não haja situações excepcionais que alterem a duração rotineira do trabalho, ou seja, uma semana típica de trabalho.[2]

A PNAD Contínua também fornece informações sobre as horas efetivamente trabalhadas na semana de referência, que podem incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período.

Até o início da pandemia, os resultados obtidos a partir das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes.[3] No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre de 2020 os dados da PNAD Contínua passaram a revelar um descolamento entre as diferentes medidas do fator trabalho, em especial no segundo trimestre de 2020, tal como exposto no Gráfico 1.

Gráfico 1: Taxa de crescimento do pessoal ocupado, das horas habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas para o agregado da economia – (Em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

No primeiro trimestre de 2020, e particularmente no segundo trimestre, houve forte discrepância entre as medidas de pessoal ocupado e horas habitualmente trabalhadas, de um lado, e das horas efetivamente trabalhadas, de outro. Os dados mostram que a queda nas horas efetivamente trabalhadas foi muito maior que a observada tanto no número de pessoas ocupadas quanto nas horas habitualmente trabalhadas.[4]

Esta discrepância, no entanto, foi diminuindo com a recuperação gradual ocorrida no mercado de trabalho nos trimestres seguintes. Em particular, ao longo de 2021, houve uma recuperação mais rápida das horas efetivamente trabalhadas quando comparado com o observado no emprego e nas horas habituais.[5] Como mostra o Gráfico 1, ao longo de 2022 houve uma desaceleração do crescimento das medidas do fator trabalho.[6]

Esta tendência de desaceleração do fator trabalho tem se mantido em 2023. Em particular, no segundo trimestre de 2023 houve elevação interanual de apenas 0,7%, 0,2% e 0,8% no pessoal ocupado, nas horas habitualmente trabalhadas e nas horas efetivamente trabalhadas, respectivamente.

Em consequência, o indicador de produtividade construído com base nas horas efetivamente trabalhadas apresentou comportamento muito diferente ao longo da pandemia quando comparado com a produtividade por pessoal ocupado e com a produtividade por hora habitualmente trabalhada, tal como apresentado no Gráfico 2.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da produtividade agregada com base nas diferentes medidas do fator trabalho (por hora habitualmente trabalhada, por hora efetivamente trabalhada e por pessoal ocupado - em % em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

Para o agregado da economia, a dinâmica da produtividade no Brasil até o quarto trimestre de 2019 não depende da métrica considerada. Com o avanço da pandemia de Covid-19, no entanto, o indicador de produtividade com base nas horas efetivamente trabalhadas começou a apresentar um forte descolamento em relação aos indicadores de produtividade por hora habitualmente trabalhada e por pessoal ocupado, em especial no segundo trimestre de 2020.[7]

Por conta do processo de normalização das horas efetivamente trabalhadas houve, no primeiro trimestre de 2021, uma forte desaceleração do crescimento do indicador de produtividade que considera esta medida do fator trabalho, seguida de uma queda significativa no segundo trimestre. Já os indicadores de produtividade que consideram o número de pessoas ocupadas e o total de horas habitualmente trabalhadas tiveram desaceleração do crescimento entre o primeiro e o segundo trimestre de 2021. Os dados mostram ainda que nos dois últimos trimestres de 2021 todas as métricas apontaram um forte recuo interanual da produtividade.[8] Esse quadro de queda interanual da produtividade se manteve ao longo de 2022, embora em magnitude menor ao longo dos trimestres.[9]

No entanto, em 2023, tem havido uma reversão deste padrão de sucessivas quedas interanuais nos indicadores de produtividade para o agregado da economia. Em particular, após a alta observada no primeiro trimestre deste ano, os dados apontaram para uma nova elevação interanual nos indicadores de produtividade. Enquanto que na métrica que considera o número de pessoas ocupadas o crescimento interanual no segundo trimestre de 2023 foi de 2,7%, nas métricas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e as horas efetivamente trabalhadas o crescimento foi de 3,1% e 2,6%, respectivamente.

Uma outra forma de analisar a dinâmica dos indicadores de produtividade é com base nas séries que descontam os efeitos sazonais de cada trimestre, ou seja, com base nas séries dessazonalizadas. O Gráfico 3 mostra a taxa de crescimento dos indicadores de produtividade do trabalho em relação ao trimestre imediatamente anterior.[10]

Gráfico 3: Taxa de crescimento da produtividade agregada com base nas diferentes medidas do fator trabalho (por hora habitualmente trabalhada, por hora efetivamente trabalhada e por pessoal ocupado - em % em relação ao trimestre imediatamente anterior) – Brasil


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

O Gráfico 3 mostra que, embora a produtividade tenha crescido no segundo trimestre de 2020 em todas as métricas, e no terceiro trimestre de acordo com as medidas por pessoal ocupado e horas habituais, houve queda na margem em todos os indicadores no quarto trimestre de 2020. Em 2021, houve queda na margem em todas as medidas. Em 2022, os resultados também não foram animadores, tendo em vista que a variação de todas as métricas oscilou entre queda ou ligeiro aumento.

No entanto, desde o primeiro trimestre de 2023 os dados estão apontando para elevações na margem em todas as medidas de produtividade. No segundo trimestre, a produtividade por hora efetivamente trabalhada, por hora habitualmente trabalhada e por pessoal ocupado avançaram 0,6%, 0,4% e 0,2%, respectivamente. Este resultado, no entanto, aponta para uma desaceleração em relação ao observado no primeiro trimestre deste ano.

Como mostra o Gráfico 4, após um salto expressivo no segundo trimestre de 2020, a produtividade por horas efetivas desacelerou até 2022. No entanto, em função das elevações observadas no primeiro e no segundo trimestre de 2023, a produtividade por hora efetivamente trabalhada, por hora habitualmente trabalhada e por pessoal ocupado superaram no segundo trimestre deste ano o nível observado no quarto trimestre de 2019 em 2,3%, 2,2% e 2,4%, respectivamente.

Gráfico 4: Evolução da produtividade do trabalho (4º trimestre de 2019=100)


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

No Gráfico 5 apresentamos a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, para os três grandes setores da economia (agropecuária, indústria e serviços), com base nas três medidas do fator trabalho (por horas habitualmente trabalhadas, por horas efetivamente trabalhadas e por pessoal ocupado).[11]

O texto completo pode ser acessado no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] Nos Estados Unidos, os indicadores do Bureau of Labor Statistics (BLS) apontaram para uma elevação da produtividade agregada (nonfarm business sector) de 1,3% no segundo trimestre de 2023 em relação ao segundo trimestre de 2022. Já no setor manufatureiro houve queda de 1,3% na mesma base de comparação. No Reino Unido os dados do Office for National Statistics (ONS) mostraram uma estabilidade da produtividade por pessoal ocupado no segundo trimestre de 2023 em relação ao mesmo período de 2022. Já na métrica que considera como medida do fator trabalho o total de horas trabalhadas houve crescimento de 0,1% na mesma base de comparação.

[2] O total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações corresponde ao produto da jornada média pelo número de pessoas ocupadas.

[3] Este fato foi amplamente discutido nas notas anteriores, que podem ser acessadas no Observatório da Produtividade Regis Bonelli pelo link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/artigos/categorias/relatoriosnotas-tecnicas

[4] Em 2020, houve uma queda muito mais pronunciada das horas efetivas (-14,1%) em comparação com a população ocupada (-7,7%) e com as horas habituais (-7,5%).

[5] Em 2021, houve um avanço muito mais pronunciado das horas efetivas (13,8%) em comparação com a população ocupada (5,0%) e com as horas habituais (5,1%).

[6] Em 2022, houve crescimento de 7,4% no número de pessoas ocupadas, de 7,7% no total de horas habitualmente trabalhadas e de 7,9% no total de horas efetivamente trabalhadas.

[7] No ano de 2020, todas as medidas apontaram para uma elevação da produtividade agregada. Enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou forte avanço de 12,7%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada cresceram 4,7% e 4,9%, respectivamente.

[8] No ano de 2021, houve queda em todas as medidas de produtividade. Em particular, enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou recuo de 7,9%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada recuaram 0,3% e 0,2%, respectivamente.

[9] No ano de 2022, houve queda em todas as medidas de produtividade. Em particular, enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou recuo de 4,5%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada recuaram 4,3% e 4,1%, respectivamente.

[10] A construção dos indicadores de produtividade com ajuste sazonal foi feita com base na dessazonalização de cada um dos seus componentes. Como o IBGE não divulga séries dessazonalizadas de emprego e horas trabalhadas, utilizamos o mesmo procedimento aplicado ao valor adicionado para fazer o ajuste sazonal do fator trabalho.

[11] No site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli disponibilizamos os indicadores de produtividade para as três medidas do fator trabalho nos doze setores da economia. O acesso à base de dados está disponível através do link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/temas/categorias/pt-trimestral

Este artigo foi publicado em 25 de setembro no Blog do IBRE.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Do mesmo autor

Autor(es)

  • Fernando Veloso

    É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, professor da EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e pesquisador associado do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da FGV. PhD em Economia pela University of Chicago. Tem graduação em Economia pela Universidade de Brasília e mestrado na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É coordenador (com Silvia Matos) do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.

  • Silvia Matos

    Coordenadora do Boletim Macro IBRE, responsável pela elaboração dos Cenários Macroeconômicos do Instituto. É Professora do Mestrado Profissional em Economia da FGV EPGE desde 2004.  Foi economista do Departamento de Pesquisa do Banco BBM (2005-2008). Entre 2009 e 2010 foi coordenadora do Núcleo de Soluções da Superintendência de Clientes Institucionais do FGV IBRE, atuando na área de Projeções Econômicas e Análises Setoriais. Possui publicações nas áreas de macroeconomia e crescimento econômico. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Mestre e Doutora em economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia (FGV EPGE). Eleita Economista-Chefe 2019 pela Ordem de Economistas do Brasil.

  • Fernando de Holanda Barbosa Filho

    Atualmente é pesquisador do Centro de Crescimento Econômico (CCE) do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) e professor da FGV. Possui mestrado em Economia pela EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV EPGE), doutorado em Economia pela New York University e graduação na mesma área pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Crescimento, Flutuações e Planejamento Econômico, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, crescimento, capital humano e produtividade.

  • Paulo Peruchetti

    Assistente de pesquisa na área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE). Mestre em Economia Empresarial e Finanças pela EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e bacharel em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalhou no acompanhamento e na elaboração das projeções dos principais indicadores macroeconômicos da economia brasileira. Atualmente atua na elaboração de estudos sobre desenvolvimento econômico, mercado de trabalho e produtividade.

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