Desaceleração à vista
O crescimento econômico pujante foi a marca de 2024. A expectativa é que o PIB tenha crescido 3,5%, uma das maiores taxas de crescimento desde 2011, excluindo 2021, quando a alta foi de 4,8%, após a contração de 3,3% em 2020, causada pela pandemia do coronavírus. Ano passado, a alta média trimestral do PIB, com ajuste sazonal, foi da ordem de 0,9%, com a demanda interna privada se expandindo, no ano, cerca de 5,5%, muito acima do PIB. Um ano totalmente diferente de 2023, quando o crescimento médio trimestral foi da ordem de 0,4%, excluindo o primeiro trimestre, e quando a agropecuária contribuiu com 75% do resultado. Além disso, a demanda interna privada cresceu apenas 1,9% no ano, bem abaixo do PIB, que aumentou 3,2%.
Consequentemente – e como esperado quando o PIB cresce muito acima do seu potencial, impulsionado pela demanda doméstica, e não por setores como agropecuária e indústria extrativa –, também os desequilíbrios macroeconômicos se intensificaram. O principal reflexo disso é que a inflação acelerou ao longo do ano, com a inflação de serviços subjacentes, uma medida de “núcleo de serviços”, acelerando expressivamente no último trimestre do ano passado, para uma taxa média mensal de 0,7%. Em janeiro, ela atingiu 0,86%, e deve permanecer em patamar elevado nos próximos meses. Também sintomático, as importações de bens e serviços cresceram em torno de 15% no ano passado, com o déficit em conta corrente dobrando em relação a 2023, para atingir 2,55% do PIB.
Em contraste com o ciclo mundial de manutenção, ou de redução, da taxa de juros, iniciamos um ciclo de aperto monetário, com a Selic devendo chegar a pelo menos 15% em maio de 2025. Com isso, a taxa de juros real de um ano superou 10% ao ano ao final de 2024, após iniciar o ano abaixo de 6%. [1]
Conforme destacado nas edições anteriores do Boletim Macro, tivemos nos últimos dois anos uma postura fiscal fortemente expansionista, contribuindo para que a economia operasse acima do seu potencial. Além dos efeitos de curto prazo mencionados acima, houve um processo contínuo de desancoragem das expectativas inflacionárias para os próximos anos. Em particular, o Relatório Focus divulgado em 17 de fevereiro mostrou expectativas de inflação de 4,35% para 2026, 4,0% para 2027 e de 3,80% para 2028, ou seja, bem acima da meta de 3,0%, mesmo em horizontes longos o bastante para permitirem ao Banco Central, em tese, garantir a convergência da inflação para a meta.
Sem dúvida, com a piora das condições financeiras, os setores mais dependentes de crédito devem desacelerar expressivamente ao longo deste ano. Assim, esperamos que, após crescer estimado 0,5% (TsT) no quarto trimestre de 2024, e ainda ter um ótimo resultado no primeiro trimestre de 2025, de 1,1% (TsT), devido ao excelente desempenho da agropecuária, o PIB desacelere nos trimestres seguintes, apresentando crescimento médio trimestral entre 0 e 0,1% por trimestre, ou seja, um cenário de estagnação.
Para o ano fechado, o crescimento esperado é de 1,8%, com os setores exógenos contribuindo com 1,0 p.p. para o crescimento anual, o que representa um aumento em relação a 2024, quando deram contribuição estimada em 0,4 p.p. Concomitantemente, prevemos que, em 2025, os setores cíclicos contribuam com 0,8 p.p. para o crescimento anual, o que representaria uma forte desaceleração em relação a 2024, quando sua contribuição estimada foi de 3,1 p.p.
No todo, nossa expectativa é de baixo crescimento, com virtual estagnação nos últimos nove meses de 2025. E, ainda que uma recessão não faça parte de nosso cenário base, o risco de um cenário com contração moderada do PIB não pode ser descartado no segundo semestre.
Esse cenário de desaceleração das atividades mais cíclicas está sendo corroborado pelos Índices de Confiança Setoriais. Em particular, o Índice de Confiança Empresarial (ICE), que recuou 1,8 ponto em janeiro, marcando a terceira queda consecutiva e registrando o menor nível desde fevereiro de 2024. E a queda foi ainda mais forte, de 5,1 pontos, para o Índice de Confiança do Consumidor (ICC), que chegou a seu menor nível desde fevereiro de 2023. Além das quedas observadas em janeiro, uma prévia com dados até o dia 13 de fevereiro indica que o cenário não deve mudar, sugerindo nova retração.[2]
Some-se a isso a alta de 1,5 ponto do Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) em janeiro, atingindo 116,9 pontos, maior nível desde julho de 2022 (120,8 pts.). O Indicador subiu mais de 10 pontos nos últimos três meses, influenciado tanto por fatores domésticos quanto pela ampliação das incertezas externas. O componente relacionado à incerteza fiscal atingiu 123,3 pontos, o maior nível desde novembro de 2021 (124,3). Estudos mostram que maior incerteza na economia afeta principalmente as decisões de investimento, e também inibe a produção e diminui a propensão ao consumo.
Entretanto, há um grau razoável de incerteza nessas projeções. Avaliamos que, em um cenário de menor popularidade, o governo pode intensificar medidas de estímulo para a economia, o que reduziria o tamanho da desaceleração. Por outro lado, dependendo da intensidade dessas políticas, os efeitos positivos dos estímulos devem piorar o quadro inflacionário e o ciclo de aperto monetário pode se prolongar ainda mais.
Sabemos que “não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis” (René Descartes). Precisamos enfrentar os problemas complexos com muita reflexão, análise e estudos baseados na teoria e na evidência empírica, seguindo as boas práticas. Na macroeconomia, políticas fiscais expansionistas, quando a economia está com o hiato do produto positivo e com dívida pública elevada, tendem mais a atrapalhar do que a ajudar o desempenho da economia.
Novamente, podemos estar perdendo uma oportunidade para trazer a inflação para valores mais próximos da meta. Infelizmente, diante dos desequilíbrios atuais, a desaceleração econômica é inexorável e desejável. Não há alternativa.
Este artigo foi publicado originalmente no Blog do IBRE.
[1] Swap 360 deflacionado pelas expectativas para os 12 meses seguintes.
[2] Ver seção “Expectativas de empresários e consumidores”.