Os desafios logísticos para a vacinação anti-COVID-19 no Brasil

O sucesso do programa de vacinação contra a Covid-19 dependerá, fundamentalmente, da competência do governo federal para liderar todo o processo da cadeia logística para que a vacina possa chegar aos seus destinos finais em segurança e aptas para o uso

Políticas Públicas
17/12/2020
Marcus Quintella

Os governos e empresas de todo o planeta estão preocupados com a complexidade da distribuição das vacinas contra a Covid-19 e com a possibilidade de gargalos logísticos, especialmente no que diz respeito ao transporte aéreo de cargas, modal chave para o sucesso dessa missão de abrangência mundial, sem precedentes na história da humanidade. No Brasil, a situação não é diferente e as autoridades federais sabem que a cadeia logística, que envolve modos de transportes, armazenagem, manuseio, controle, distribuição, qualidade e segurança das vacinas, é fundamental no processo de vacinação para garantir a efetividade e eficácia da imunização de toda a população.

É de conhecimento geral que o Brasil tem tradição em distribuir 19 tipos de vacinas diferentes pelo SUS, em todo o país, e que essa experiência será utilizada no caso do processo vacinal contra a Covid-19. Segundo o Ministério da Saúde, o Programa Nacional de Imunização (PNI) é o maior programa público de imunização do mundo, que distribui mais de 300 milhões de doses de imunobiológicos, anualmente, por meio de seus 37 mil postos públicos de vacinação de rotina, espalhados nos 5.570 municípios brasileiros. No caso de campanhas nacionais especiais, esse número de postos públicos pode chegar a 50 mil.

O Brasil possui um esquema vacinal complexo e extremamente completo no combate às doenças mais prevalentes aos brasileiros, cuja logística de distribuição das vacinas utiliza a infraestrutura de transportes existente no país, independentemente de suas limitações físicas e qualitativas. As vacinas chegam aos postos públicos, por mais isolados e longínquos que sejam, por meio de aviões de carga, através de aeroportos e aeródromos; por caminhões e outros veículos rodoviários, em rodovias pavimentadas ou não; e utilizando barcos, por vias fluviais.

Esse panorama já é suficiente para mostrar à população brasileira que existe uma infraestrutura de transportes com capacidade para atender a distribuição logística das vacinas anti-Covid-19. Entretanto, o sucesso do programa de vacinação contra a Covid-19 dependerá, fundamentalmente, da competência do governo federal para liderar todo o processo da cadeia logística para que a vacina possa chegar aos seus destinos finais em segurança e aptas para o uso.

De forma bem simplista, o transporte das vacinas contra a Covid-19 utilizará, primeiramente, o meio rodoviário, para serem transportadas dos locais de produção diretamente aos centros de distribuição, aos postos públicos de vacinação de curtas e médias distâncias e aos aeroportos mais próximos, para que os aviões de carga possam levar as vacinas a todos os municípios e estados da federação. Após os desembarques dos aviões de carga, novamente será utilizado o modo rodoviário para levar as vacinas diretamente aos postos de vacinação dos municípios da área de influência de cada aeroporto ou a algum porto fluvial, para que o transporte aquaviário possa cumprir o seu papel de atender às populações ribeirinhas e indígenas. Como podemos observar, os transportes rodoviário e aquaviário fazem a capilaridade, atuando nas pontas, e o transporte aéreo responde pelas grandes distâncias de nosso país.

Todavia, o grande desafio é fazer toda essa distribuição da vacina de forma rápida, econômica e com segurança, visto que o ponto crítico dessa operação complexa é o momento que os lotes de vacinas deixam as fábricas e são encaminhados aos centros de distribuição, laboratórios, aeroportos ou diretamente aos postos de vacinação. Essa logística precisará seguir um rigoroso protocolo de manuseio, armazenamento, transporte e distribuição, sob pena de perder sua capacidade imunogênica. Talvez, o problema mais crítico seja a temperatura de conservação de cada produto durante o transporte e na armazenagem nos locais de vacinação.

A vacina da Pfizer é um produto muito termossensível, que refrigerada entre 2°C e 8°C duram apenas cinco dias. A Pfizer desenvolveu câmaras geladas que atingem -75° C, para que as vacinas contra Covid-19 possam ser transportadas e armazenadas por até seis meses. A Moderna desenvolveu uma vacina estável por seis meses a -20°C e que dura 30 dias em geladeira comum, entre 2°C a 8°C. As vacinas de Oxford e da Sinovac também podem ser mantidas em geladeiras comuns, entre 2°C a 8°C graus. A vacina Sputnik V precisa de armazenagem e transporte a -18°C.

Entretanto, independentemente do fabricante, o problema logístico será complexo e desafiador para a distribuição das vacinas em nosso país, visto que os veículos rodoviários, barcos, aviões e os postos de vacinação precisarão ser equipados com freezers e embalagens especiais durante o transporte e a armazenagem. Além disso, o investimento para equipar toda a cadeia logística e os locais de vacinação será alto e a operacionalização dessa logística não será imediata, pois, certamente, não existem esses equipamentos especiais de refrigeração disponíveis no mercado, em quantidade suficiente para atender a demanda brasileira, no curto prazo. Vale lembrar que a vacinação acontecerá em duas etapas, num intervalo de 28 dias.

Não há dúvidas de que a parceria entre as entidades públicas e empresas privadas será fundamental para o sucesso dessa operação de guerra, bem como a transparência de todo o processo logístico, que poderá contar com o apoio das tecnologias de ponta disponíveis, tais como inteligência artificial, big data, rastreamento por satélite, identificação por radiofrequência (RFID), cockpit logístico, entre outras.

Em última análise, apesar da complexidade da logística para todo o processo vacinal contra a Covid-19, a população brasileira precisa entender que o governo federal, com apoio dos estados e municípios, possui plenas condições de vacinar com sucesso absoluto toda a população brasileira, desde que haja uma grande união de forças de todos os brasileiros, sem vieses político-partidários, sem interesses pessoais e com grande sentimento humanitário. O desafio é amplo, geral e irrestrito!

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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Autor(es)

  • Marcus Quintella

    Doutor em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ, mestre em transportes pelo IME, pós-graduado em administração financeira pela FGV e engenheiro civil pela Universidade Veiga de Almeida. Atualmente, é diretor da FGV Transportes, editor-chefe da Revista Brasileira de Transportes - RBT e coordenador acadêmico dos cursos de MBA da FGV.

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