Diferenças de gênero no mercado de trabalho
Diversos estudos têm evidenciado a existência de desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Essas desigualdades se revelam em praticamente todas as sociedades, embora em países desenvolvidos elas possam se apresentar em menor magnitude do que nos países em desenvolvimento.
Observa-se que nos últimos 30 anos muitas mudanças ocorreram na sociedade e no mercado de trabalho brasileiro, contribuindo para uma maior inserção da mulher, mas as desigualdades de gênero ainda persistem. Dentre essas mudanças destacam-se 1) o processo de expansão econômica e urbanização das cidades a partir da década de 70, aumentando a demanda por trabalhadores; 2) mudanças nas normas/convenções sociais e culturais, com transformações nas estruturas das famílias, e divisão das responsabilidades do lar; 3) mudanças sobre os papéis de gênero na sociedade, com as novas gerações mais interessadas em combater as desigualdades existentes e gerar ambientes mais diversos.
Os avanços vêm ocorrendo de forma lenta, sendo possível identificá-los melhor quando investigamos séries mais longas. Ao analisar a última década, por exemplo, se observa que as melhorias nos principais indicadores foram modestas, pois a pandemia da Covid dificultou a continuidade dos avanços obtidos entre os anos de 2012 e 2019, como pode ser visualizado no Gráfico 1. A taxa de participação é considerada o principal indicador para medir a inserção feminina no mercado de trabalho (oferta de mão de obra).
Gráfico 1: Taxa de Participação por gênero (14 anos ou mais) – 4º tri de 2012 a 2022 - Brasil
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua - IBGE.
A taxa de participação feminina registrada no 4º trim. de 2022 (52,7%) ainda permanece 1,6 p.p. abaixo do período pré-pandemia (54,3%). Na margem, o indicador também apresentou recuo, ficando 0,7 p.p. abaixo do registrado no 3º trim. de 2022 (53,4%). Isso significa que, em média, de cada dez mulheres em idade para trabalhar, apenas 5 participam do mercado (empregadas ou buscando um emprego). Já entre os homens 7 a cada 10 homens estão na força de trabalho. A baixa proporção de mulheres ofertando sua mão de obra é mais do que uma questão social, é também um problema econômico, pois podem representar talentos em potencial fora da força de trabalho.
Embora a taxa de participação masculina também tenha ficado abaixo da registrada no 4º trim. de 2019, é importante ressaltar que as mulheres estavam em uma trajetória distinta da dos homens antes da pandemia. Enquanto a taxa de participação masculina diminuiu 1,1 p.p. entre os anos de 2012 e 2019, a feminina apresentou crescimento de 2,8 p.p. no mesmo período.
Logo, observa-se que a taxa de participação masculina voltou para sua tendência, mas a das mulheres ainda não. As mudanças na economia e no mercado de trabalho brasileiro desde a ocorrência da pandemia, com alteração nas demandas por habilidades dos trabalhadores e expansão do auxílio brasil, podem estar contribuindo para um retorno mais lento desse indicador ao nível pré-pandemia.
Por outro lado, a taxa de desemprego, obtida pela razão entre as pessoas que buscam emprego e a força de trabalho, apresentou queda expressiva em relação ao mesmo trim. do ano anterior, conforme Gráfico 2. Esse efeito foi mais forte na taxa de desemprego feminina, que passou de 13,9% para 9,8% entre o 4º trim de 2021 e 2022. Na margem, em relação ao trimestre imediatamente anterior, a redução também foi significa, em torno de 1,2 p.p. (11% no 3º tri de 2022). É a primeira vez desde o 1º trim. de 2015, que a taxa de desemprego feminina se reduz para o nível de um dígito.
Gráfico 2: Taxa de Desemprego por Gênero – 4º Trimestre – 2012 a 2022 - Brasil
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua - IBGE.
Com a redução do número de mulheres desocupadas no último ano, a diferença entre as taxas de desemprego masculino e feminina também diminuiu, se aproximando dos gaps observados em 2016 (3,3 p.p.). O declínio da taxa de desemprego dos dois grupos está relacionado a dinâmica da economia brasileira e sinaliza a consolidação da recuperação iniciada em meados do final de 2020.
Atualmente existem 8,6 milhões de pessoas desocupadas, com 54,4% desse contingente sendo mulheres. A taxa de desemprego é maior entre os que têm nível educacional até o “Ensino Fundamental II Completo” e “Médio Completo”, conforme Tabela 1. Esse padrão ocorre entre os homens e mulheres, mas em níveis diferentes. As taxas de desemprego por nível educacional são maiores entre as mulheres do que entre homens, independentemente do nível de escolaridade analisado.
Enquanto a taxa de desemprego entre homens com “Até Ensino Fundamental II Completo” foi de 7,7% no 4º trimestre de 2022, entre as mulheres com o mesmo nível educacional essa taxa foi de 13,4% (ou seja, 5,7 p.p. acima). Isso sugere que mesmo os homens com baixos níveis educacionais conseguem ser absorvidos mais facilmente pelo mercado do que as mulheres com baixo nível educacional.
Tabela 1: Composição educacional dos desempregados por gênero – 2021.T4 e 2022.T4
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua - IBGE.
Dado que ocorreu uma queda contínua da taxa de desemprego feminina no último ano, chegando à casa de um dígito no 4º trim de 2022, é necessário averiguar se esse bom desempenho vem sendo acompanhado pelo crescimento do rendimento do trabalho.
De acordo com o Gráfico 3, o rendimento médio das mulheres no 4º trim. de 2022 cresceu 0,8% em relação ao trimestre imediatamente anterior enquanto o dos homens amentou 2,5% no mesmo período. Além disso, o rendimento médio das mulheres ainda está 1,4% abaixo do período pré-pandemia (4º tri de 2019), já o dos homens está 0,7% abaixo.
Vale ressaltar que nos últimos 11 anos, o rendimento médio das mulheres tem sido inferior ao dos homens. Estudos[1] acadêmicos mostram que as normas sociais/culturais e as responsabilidades familiares, como os cuidados com os filhos e afazeres domésticos, dificultam a inserção feminina no mercado de trabalho e a performance das mulheres em postos de trabalho com jornadas inflexíveis. A impossibilidade de conciliar trabalho e responsabilidades familiares aumenta as chances das mulheres aceitaram salários mais baixos em troca de jornadas mais flexíveis. Isso também leva as mulheres a aceitarem trabalhar em funções diferentes da sua profissão em troca de jornadas menos rígidas.
Gráfico 3: Evolução do rendimento habitual de todos os trabalhos - 4º trim. de 2012 a 2022 - Brasil
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua.
Rendimento habitual de todos os trabalhos deflacionado a preços do 4º Trimestre de 2022.
O gráfico 3 mostra que a remuneração média dos homens (R$ 3.099) no 4º trim. de 2022 foi 28,3% maior do que o das mulheres (R$ 2.416). Esse gap de rendimento entre homens e mulheres foi maior do que o registrado no trimestre imediatamente anterior (26,1% no 3º trim. de 2022) e no período pré-pandemia (27,3% no 4º trim. de 2019).
O cálculo do gap a partir das diferenças de rendimento médio pode nos ajudar a ter uma ideia sobre a dimensão das disparidades salariais entre homens e mulheres, mas uma forma mais acurada de obter o gap de gênero é através de estimações de modelos econométricos que nos permitam comparar homens e mulheres com os mesmos atributos produtivos e características socioeconômicas. O Gráfico 4 mostra a evolução desse gap estimado.
De acordo com o gráfico 4, nos últimos 11 anos o gap salarial entre homens e mulheres caiu cerca de dez pontos percentuais (era 33,4% em 2012.T4 e fechou 2022.T4 em 23,4%), mas ainda permanece muito elevado, uma vez que estamos comparando indivíduos que são semelhantes quanto aos atributos produtivos e às características socioeconômicas. Em 2012.T4 o rendimento dos homens era 33,4% maior do que o das mulheres e em 2022.T4 essa diferença reduziu para 23,4%, o menor valor da série (desconsiderando o ano da pandemia, que ocasionou uma melhora artificial de alguns indicadores).
Gráfico 4: Gap de gênero - rendimento habitual de todos os trabalhos - 4º trim de 2012 a 2022 – Brasil
(Quanto % os homens ganham a mais que as mulheres com as mesmas características?)
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua - IBGE.
Nota: equação minceriana estimada por OLS considerando o logaritmo do rendimento habitual de todos os trabalhos deflacionado a preços do 4º trimestre de 2022 como variável explicativa e com os seguintes controles: anos de estudo, experiência, experiência ao quadrado, horas mensais trabalhadas, setor formal, setor público, raça, região, gênero, área urbana, região metropolitana, grandes setores de atividade econômica e cargos/ocupações. Coeficiente ajustado.
Outra dimensão de disparidade de gênero a ser analisada é a representatividade das mulheres em posições de prestígio. A sub-representação feminina em cargos gerenciais ainda é uma realidade no Brasil e no mundo. Apesar de todas as discussões, incentivos e formulações de políticas públicas, a parcela de mulheres ocupando cargos de chefia vem crescendo lentamente, como demonstrado no gráfico 5. Entre o 4º trim. de 2012 e 2019, a participação das mulheres em cargos e gerência passou de 37,8% para 39,6%, mas nos últimos três anos não houve melhorias expressivas, com a participação situando-se em 39,2% no 4º trim. de 2022.
Gráfico 5: Composição de Gênero em Cargos de Gerência - 2012.T4 a 2022.T4 - Brasil
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua - IBGE.
Os resultados dos Gráficos 4 e 5 evidenciam o fenômeno teto de vidro (glass ceilling[2]). Esse fenômeno diz respeito a uma barreira invisível que dificulta o acesso das mulheres a níveis mais altos da hierarquia organizacional das empresas. A progressão da carreira feminina dentro da empresa ocorre de forma mais lenta do que a dos homens. Essa barreira aglutina barreiras de natureza legal, social, cultural, educacional, entre outras.
Dentre os efeitos desse fenômeno tem-se a 1) discriminação salarial, em que mesmo a mulher possuindo as mesmas competências do homem tende a receber um menor salário; e 2) sub-representação feminina em funções de gestão, pois embora tenham as mesmas habilidades e experiências, não ocupam cargos de gestão na mesma proporção que os homens. Ao desagregar os cargos de diretória e gerência ao nível de subgrupo ocupacional, é possível verificar que a sub-representação feminina está presente em pelo menos 10 das 11 categorias disponíveis (Tabela 2). As mulheres são maioria apenas em cargos de “dirigentes e gerentes de serviços profissionais”.
Tabela 2 – Tipos de Diretorias e Gerência. 2022.T4.Brasil
Fonte: elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua - IBGE.
Além disso a progressão na carreira tende a ser mais lenta para mulheres, diminuindo o retorno marginal dos seus investimentos em educação. Muitas vezes é necessário que as mulheres demonstrem seus méritos produtivos para ocupar funções de altos salários, fazendo com que aquelas que conseguem tais postos tenham atributos produtivos superiores aos dos homens, o que amplia as disparidades de gênero.
Como os cargos de liderança/chefia tendem a remunerar melhor, a baixa representação das mulheres nessas funções contribui para a baixa proporção de mulheres nos extratos mais altos da distribuição de salários. O Gráfico 6 mostra que entre os trabalhadores que estão no topo da distribuição de rendimentos por hora trabalhada, apenas 36,6% são mulheres. A região que tem a maior proporção de mulheres no decil mais alto da distribuição salarial é o Sul e a menor proporção foi reportada no Sudeste.
Gráfico 6: Composição de gênero entre os 10% que ganham os maiores rendimentos por hora trabalhada. 2022.T4. Brasil e regiões
Fonte: Elaboração da autora com base nos Microdados da PNAD Contínua.
Rendimento Habitual. Nota: pessoas entre 24 e 49 anos com ensino superior completo.
Essa análise mostrou que a maior parte dos indicadores de mercado de trabalho apresentou melhorias na última década. Contudo, as desigualdades de gênero são muito persistentes, e as disparidades entre homens e mulheres permanecem elevadas. O desenvolvimento integrado de políticas públicas, conscientização da sociedade e ações por parte das organizações privadas é fundamental para que continuemos combatendo as desigualdades de gênero e fomentando espaços mais diversos.
[1] Goldin, C. (2014). A grand gender convergence: Its last chapter. American Economic Review, 104(4), 1091-1119.
[2] Hymowitz, C., & Schellhardt, T. D. (1986). The glass ceiling: Why women can’t seem to break the invisible barrier that blocks them from the top jobs. The wall street journal, 24(1), 1573-1592.