Doar Sangue: uma ação cidadã
A doação de sangue é um ato essencial para salvar vidas. A transfusão de sangue é frequentemente indispensável em situações como cirurgias, tratamentos oncológicos, atendimento de vítimas de acidentes e casos graves de doenças crônicas. No Brasil, o Dia Nacional do Doador de Sangue, celebrado em 25 de novembro, tem como objetivo conscientizar a população sobre a importância desse gesto e homenagear os doadores.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca que o percentual ideal de doadores de sangue, mundialmente, seria de 3 a 5% da população, mas no Brasil o indicador está abaixo desse índice. Alguns fatores podem ser destacados como barreiras para a doação de sangue no país. Por exemplo, há falta de conhecimento da população sobre a importância deste ato, dificuldades logísticas para a doação, sazonalidade nas doações e ainda inaptidão clínica e sorológica de indivíduos que se dispõem a doar. Não se pode tampouco esquecer dos custos em que se incorre para garantir a segurança transfusional. Estes fatores podem ser controlados por políticas públicas, campanhas e alocação de orçamento, mas os mitos e as “fake news” que envolvem o assunto são muito mais difíceis de contornar.
Na América Latina e no Caribe desde 2015 menos de 50% do sangue disponível para transfusões foi obtido por meio de contribuições espontâneas do público, que é a forma mais segura para coletar sangue, de acordo com a Organização Mundial da Saúde -OMS/Organização Pan-Americana Mundial da Saúde – OPAS. Afinal, quem se dispõe a doar por espírito de solidariedade em geral espera estar em boas condições. Quando outro tipo de impulso está por trás, o menos importante é como a pessoa se sente.
Seja como for, uma questão recorrente ligada ao assunto “doação de sangue” é, sem dúvida, o decréscimo, a estabilização ou a dificuldade/incapacidade de aumentar o número de doadores no país, conforme documentos oficiais publicados a partir de 2015. No Brasil, para atrair novos doadores, são criadas estratégias e campanhas de comunicação, apoiadas pelo Ministério da Saúde (MS) e pelos hemocentros, a fim de dar visibilidade ao problema e disseminar informações, o que nem sempre resulta em um aumento no número ou na fidelização de doadores de sangue. O Manual de Orientação para Promoção da Doação Voluntária de Sangue, publicação do Ministério da Saúde e de distribuição gratuita para aqueles profissionais que atuam no contato com os doadores de sangue é uma dessas estratégias e pretende contribuir para uniformizar suas práticas nacionalmente, respeitando as diversidades regionais, de modo a servir como suporte técnico para o trabalho realizado no cotidiano dos serviços de hemoterapia do Brasil.
O Brasil possui uma Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados que tem por finalidade garantir a autossuficiência do País nesse setor e harmonizar as ações do poder público em todos os níveis de governo no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, nem sempre foi assim. O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Rio de Janeiro – HEMORIO, criado na década de 1940 marca o início do serviço de transfusão de sangue no Brasil. A prática da doação remunerada era muito comum, mas com a segunda guerra mundial – 1939-1945 – surgiu uma cultura social de doação voluntária em especial na Europa. A Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, em 1950, contribuiu para a criação de um movimento de conscientização acerca da importância da doação de sangue como um ato voluntário, buscando uma alternativa para a doação remunerada. Na época se verificava uma associação direta entre doações remuneradas e contaminação sanguínea.
Na Constituição Federal de 1988, o Art. 199, § 4º, proíbe a comercialização do sangue e reforça o dever do Estado em criar meios para um atendimento hemoterápico e hematológico seguro, de qualidade e acessível a toda a população Esse parágrafo foi regulamentado em 2001 por meio da Lei n. 10.205/2001 (Lei do Sangue ou Lei Betinho, em homenagem a Herbert de Souza brasileiro que contraiu AIDS numa transfusão). Esta lei traz em seu texto a proibição de compra, venda ou qualquer outro tipo de comercialização do sangue, componentes e hemoderivados.
A política de sangue promove campanhas de educação de massa nas escolas, empresas e nos meios de comunicação. Realiza parceria com celebridades, clubes de futebol e influenciadores para atrair a atenção da população jovem. Estimula a criação de unidades móveis de doação, ampliação de horários e aumento no número de locais para doação além de estimular a oferta de incentivos aos doadores. Por exemplo, na EAESP, entidades estudantis promovem doação de sangue voluntária sempre em parceria com serviços públicos ou sem finalidade lucrativa. Outra estratégia possível é a integração com o sistema de saúde, particularmente a Estratégia Saúde da Família, onde a capacitação dos agentes comunitários de saúde pode servir para educar e mobilizar a população local. Também é desejável que se estabeleçam parcerias com hospitais públicos e privados para campanhas integradas envolvendo pacientes e seus familiares. Promover a doação de sangue exige políticas públicas criativas e integradas, que vão além da simples solicitação de doações em períodos críticos. A doação deveria se tornar um hábito cultural, sustentado por educação, acessibilidade e reconhecimento.
O Dia Nacional do Doador de Sangue é uma oportunidade não apenas para celebrar aqueles que já doam, mas também para mobilizar a sociedade a adotar esse gesto solidário como um compromisso contínuo.
Autores
Ana Maria Malik
Graduada em Medicina pela USP, mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e doutora em Medicina (Medicina Preventiva) pela USP. Professora Titular da Escola de… ver maisAna Maria Malik
Graduada em Medicina pela USP, mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e doutora em Medicina (Medicina Preventiva) pela USP. Professora Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), acadêmica eleita para a Academia Brasileira da Qualidade. Atualmente é parecerista ad hoc de diversas revistas de gestão e de saúde, membro de conselho editorial da Revista Einstein, professora convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, membro do conselho da Alass (Associação Latina para Análise dos Sistemas de Saúde), e da Fundação para Segurança do Paciente. É Coordenadora do FGVsaúde da FGV EAESP, diretora adjunta do PROAHSA da FGV e coordenadora da linha de saúde do Mestrado Profissional em Gestão para a Competitividade (MPGC) da FGV EAESP.
Alberto José Niituma Ogata
Doutor em Saúde Coletiva (USP), Mestre em Medicina (UNIFESP), Mestre Profissional em Economia e Gestão da Saúde (UNIFESP), Médico (Faculdade de Medicina de Jundiaí), Professor do Mestrado… ver maisAlberto José Niituma Ogata
Doutor em Saúde Coletiva (USP), Mestre em Medicina (UNIFESP), Mestre Profissional em Economia e Gestão da Saúde (UNIFESP), Médico (Faculdade de Medicina de Jundiaí), Professor do Mestrado Profissional em Gestão da Competitividade - Disciplina de Saúde Populacional(FGV-EAESP). Professor do MBA em Programas de Promoção da Saúde nas Organizações (Centro Universitário São Camilo), Pesquisador associado do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde (FGV Saúde)
Presidente (2018-2019) do International Association of Worksite Health Promotion (IAWHP). Autor e organizador de livros e manuais em saúde. Diretor titular adjunto de responsabilidade social da FIESP. Diretor e membro de entidades sociais e ligadas à área de saúde e bem-estar.