Direito

Esquema de manipulação de resultados no futebol: denúncias no MP, jogadores suspeitos e casas de apostas

Pedro Fida, Alexandre Pacheco da Silva

No primeiro semestre de 2023, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) denunciou à Justiça mais de vinte pessoas, entre atletas, financiadores e aliciadores, por suspeitas de manipulação de resultados por apostas, em partidas de futebol das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2022, além de torneios estaduais de 2023. Esta denúncia foi fruto da operação “Penalidade Máxima” que já está em sua 3ª fase e que iniciou em novembro de 2022 após o MP-GO receber evidências do presidente do Vila Nova Futebol Clube, Hugo Jorge Bravo, acerca de uma organização criminosa acusada de corromper atletas profissionais de futebol com o objetivo de manipular resultados de partidas. 

Os crimes investigados passam por associação criminosa (art. 288, Código Penal) e fraude ao Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/03), em especial o seu Art. 41-C que se relaciona com o crime de corrupção passiva e criminaliza aquele que “solicitar ou aceitar para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”. Destacam-se, ainda, os crimes para aquele que dá ou promete dar vantagem patrimonial ou não patrimonial com o objetivo de alterar ou falsear o resultado de uma partida (art. 41-D, Lei nº 10.671/03), ou que fraude, por qualquer meio, o resultado de uma partida (art. 41-E, Lei nº 10.671/03).

Além da esfera criminal, no âmbito desportivo o futebol e demais esportes contam com seu próprio arcabouço jurídico, a exemplo do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), ao qual estão sujeitos os atletas profissionais, e possui disposições específicas condenando aqueles que deem ou prometam vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou outros jurisdicionados, para que influencie o resultado de partida (art. 242, CBJD).

Nesse sentido, o atleta comete infração desportiva ao (i) aliciar atleta autônomo ou pertencente a qualquer entidade desportiva, (ii) atuar deliberadamente para prejudicar a equipe que defende ou, ainda, (iii) atuar de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente (arts. 240, 243 e 243-A, CBJD). A punição para referidas violações abrange período de suspensão ou até eliminação do esporte – popularmente conhecido como banimento – além de multa.

Até a data de publicação deste artigo, oito atletas admitiram envolvimento na manipulação de partidas e celebraram acordos de não persecução penal com o MP-GO, conforme art. 28-A do Código de Processo Penal e, portanto, não foram indiciados no processo criminal que tramita na 2ª Vara de Repressão ao Crime Organizado de Goiás, participando tão somente como testemunhas nos autos. Por outro lado, na esfera desportiva o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) já julgou, em 1ª instância, nove atletas investigados na Operação Penalidade Máxima, tendo dois deles já recebido a pena de eliminação do esporte e multa, enquanto os demais foram penalizados com suspensões que variam de 380 a 1.000 dias de afastamento e multa específica para cada atleta.

A Operação Penalidade Máxima repercutiu a nível nacional e internacional, tomando os noticiários semanais. Tais fatos têm provocado debates e questionamentos importantes de diferentes stakeholders, a exemplo da (i) criação da CPI da Manipulação do Futebol em abril de 2023, (ii) instauração, a pedido do Ministro da Justiça Flávio Dino, de inquérito na Polícia Federal para as investigações legalmente cabíveis, e (iii) a manifestação do presidente da FIFA, Gianni Infantino, que condenou veementemente o escândalo de manipulação de resultados, reforçando o apoio da entidade máxima do futebol ao jogo limpo e à sua integridade. Essas manifestações são fundamentais pois sem credibilidade o esporte perde o respeito e admiração pelo seu público, e pode acarretar perda de patrocínios e investimentos financeiros de marcas e organizações.

Infelizmente, o problema de manipulação de resultados nos esportes associada às apostas (também conhecida como match-fixing) não é um fenômeno recente. Há relatos desses casos desde o início dos anos 1900, tomando proporções maiores e graves no decorrer do século XX e se intensificando após os anos 2000, como o notório episódio da Máfia do Apito em 2005 no Brasil. Há casos, ainda, de condenações internacionais na Court of Arbitration for Sport (TAS-CAS) de clubes europeus (SL Benfica, 2008; Besiktas, 2013; Fenerbahçe SK, 2013), seus dirigentes (FK Pobeda, 2009), atletas (Kevin Sammut, 2012) e até árbitros como Joseph Lampty em 2017, que foi banido do futebol por ter manipulado resultados de uma partida preliminar ao início da Copa do Mundo FIFA de 2018.

Nos últimos anos, as casas de apostas internacionais expandiram sua atuação no país, porém ainda sem uma regulamentação governamental que deveria ter sido concluída em 2022, de acordo com a Lei 13.756/18. Estas empresas sediadas, em sua maioria, no exterior e até em paraísos fiscais, injetaram milhões de Reais nos clubes brasileiros e em celebridades locais, e expandiram sua presença ao redor do país contribuindo, ainda que de forma não intencional, para casos de manipulação de resultados. Porém, com a regulamentação à vista, sinalizada pela Medida Provisória que altera a Lei 13.756/18, as empresas passam por um momento de incerteza até que se definam as regras de licença, taxação, movimentações bancárias no Brasil, entre outras.

No entanto, enquanto cada stakeholder não se responsabilizar pelas atribuições que lhe cabem, não será possível erradicar a manipulação de resultados no futebol, nem mesmo com a tão aguardada regulamentação das casas de apostas. A CBF, por exemplo, necessita:

(i) implementar um robusto programa de integridade, em alinhamento com a FIFA e suas normas, atuando ativamente no monitoramento, na prevenção e punição daqueles que violarem o CBJD e o Estatuto do Torcedor;

(ii) realizar campanha nacional de conscientização e prevenção sobre integridade aos atletas, dirigentes, técnicos, árbitros e oficiais; 

(iii) celebrar acordos de cooperação com órgãos internacionais e empresas especializadas no monitoramento de atividades ilícitas (ex.: SportRadar).

Já ao Legislativo caberá analisar a relação entre casas de apostas e manipulação de resultados para que proponham mudanças legislativas relevantes e até mesmo no CBJD para impor sanções mais severas àquelas existentes, alinhadas com os regulamentos de federações internacionais e à jurisprudência do TAS-CAS. Quanto aos clubes, além de criarem seus próprios programas de integridade para monitorar e prevenir a manipulação de resultados, é necessário implementar em seus contratos de trabalho com atletas, dirigentes e técnicos, cláusulas que tratem da integridade do jogo, obrigando-os a reportar qualquer abordagem de terceiros, assim como cumprir os regulamentos aplicáveis.

Os desafios são inúmeros e a Operação Penalidade Máxima está apenas começando a se aprofundar em um problema que, se não for eliminado, poderá corroer a integridade e credibilidade do nosso jogo bonito.

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Autores

  • Pedro Fida
    Advogado, fundador de Fida Associados e Aluno da segunda turma de Graduação da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP). Especialista em Direito Desportivo e do Entretenimento, com passagens…  ver mais

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