O Fim da Onda Jovem

Até 2060, segundo as projeções centrais da ONU, o percentual de jovens vai diminuir em 95% dos 201 países com projeções populacionais.

Ciências Sociais
18/02/2022
Marcelo Neri

Após manter-se por quase duas décadas com pouco mais de 50 milhões de jovens de 15 a 29 anos de idade, em níveis sem precedentes na história do país, o Brasil viu sua população nessa faixa etária voltar para baixo desse patamar a partir de 2021. O contingente jovem do país deve perder mais de um quarto de seu tamanho nos próximos 40 anos segundo as projeções do IBGE e pode chegar ao fim do século reduzido quase à metade de sua magnitude atual de acordo com a projeção da ONU.

Pororoca Jovem 

O Brasil nunca teve nem se espera que volte a ter tantos jovens quanto manteve nos últimos anos. A marca dos 50 milhões de jovens – o dobro do que se observava em 1970 – foi superada em 2002, após um período de intenso crescimento. Desde então, vivemos uma “pororoca jovem” em que o número de habitantes dessa faixa etária subiu lentamente até o pico de 52,3 milhões atingido em 2009, oscilou na casa dos 52 milhões e, desde 2014, passou a diminuir lentamente ano após ano. A hora de descer a onda se aproxima. Os demógrafos convergem ao esperar que esse número passe a cair mais rapidamente a partir da próxima década. A pandemia é um novo dado a ser considerado seja a queda de natalidade associada nas projeções absolutas, seja a própria redução de expectativas de vida dos mais velhos nas projeções relativas.

O Brasil não desce a onda sozinho. Até 2060, segundo as projeções centrais da ONU, o percentual de jovens vai diminuir em 95% dos 201 países com projeções populacionais. As exceções são oito países africanos e os arquipélagos de Samoa e Guadalupe. As Maldivas, um arquipélago do Oceano Índico com meio milhão de habitantes, se destacam mundialmente com suas “ilhas de concentração” de juventude, onde quase um terço das pessoas é jovem hoje. Segundo a ONU, entretanto, as Maldivas terão o maior encolhimento de juventude do planeta, reduzindo seu percentual em 18,4 p.p., de 32,7% para 14,3%, menos do que o observado hoje em qualquer país do mundo.

Atualmente, o Japão tem o menor percentual de jovens do mundo (14,7%), seguido de perto por Itália (15%), Espanha (15,3%), Grécia (15,9%) e Portugal (15,9%). Todos eles reduzirão seus percentuais até 2060, mas apenas um pouco. Com quedas projetadas mais fortes, cinco outros países passarão a ter percentuais ainda menores de jovens em suas populações: Taiwan (12,9%), Porto Rico (12,8%), Albânia (12,8%), Singapura (12,6%) e Coreia do Sul (11,7%). Este último será o menor percentual de jovens em todo o mundo segundo a ONU. O percentual brasileiro projetado (15,3%) estará mais próximo desse extremo mínimo sul-coreano do que da média mundial (20%).

Entre as unidades da federação brasileira, o percentual de jovens é variado, mas as regiões se dividem nitidamente em três grupos. O maior percentual de todos é observado no Amapá (29,1%), seguido por Acre (28,7%), Roraima (28,6%) e outros estados das regiões Norte e Nordeste. No extremo oposto, os menores percentuais de jovens estão no Rio de Janeiro (22,1%), Rio Grande do Sul (22,1%) e São Paulo (22,2%), seguidos por outros estados do Sul e Sudeste. Entre esses extremos e ao redor da média brasileira (24%), encontram-se os estados do Centro-Oeste e o Distrito Federal. A cidade mais Jovem é Pracinha em São Paulo com 48,2% bem superior a Maldivas 32,67% (1o em 197 países). Cidade menos Jovem é Mato Queimado no Rio Grande do Sul com 11,99% bem menos que o Japão (país - jovem).  Dos 20 municípios menos Jovens 18 são gaúchos.

Ter uma grande fatia da população em idade de trabalhar é uma condição favorável para elevar a renda per capita.  A descida mais íngreme da onda jovem e o fim antecipado do bônus podem até contribuir um pouco para que o país consiga voltar a gerar empregos em um número suficiente para absorver a mão de obra disponível nos próximos anos. Se isso acontecer, poderemos voltar à discussão mais confortável sobre os riscos de uma falta de mão de obra no país. Seja qual for o cenário econômico, a necessidade de qualificar melhor a mão de obra jovem persiste.

Taxa de Juventude

Quais são as marcas que mais distinguem os jovens do restante da população? As pesquisas domiciliares permitem destacar algumas características e situações mais frequentes entre os jovens. A “taxa de juventude” é bem maior do que a média, por exemplo, nos domicílios que têm telefone celular e computador com internet, mas é muito menor do que a média entre os possuidores de telefone fixo e aparelho de rádio.

Quando trabalham, os jovens raramente contribuem para a previdência. A taxa de juventude sobe entre os que são empregados de alguém sem carteira assinada e cai entre os servidores públicos e os empreendedores, sejam os que empregam outras pessoas ou mesmo os que trabalham por conta própria. É mais raro encontrar jovens entre os dirigentes de empresas, mas é fácil encontrá-los entre os que atuam em ocupações técnicas de nível médio. Os jovens de hoje tornaram-se raros em serviços domésticos e atividades agrícolas, assim como são na administração pública. Por outro lado, é mais fácil vê-los em serviços administrativos, comércio, forças armadas, alojamento e alimentação, indústria de transformação, reparação e manutenção ou construção.

A taxa de juventude é mais alta entre as pessoas na metade da população com menor renda domiciliar per capita. É mais fácil encontrá-los e morando nas favelas em domicílios com nenhum ou no máximo um banheiro. Por outro lado, domicílios com motocicleta têm alta taxa de juventude. Motos, têm a ver com jovem, assim como acidentes de trânsito, infelizmente. Os números da pesquisa detalham esses traços e mostram como alguns deles têm mudado ao longo do tempo. Veja pesquisas sobre a juventude brasileira em https://cps.fgv.br/juventudes-0.

Mapas 

Num projeto intitulado Atlas das Juventudes, a representação espacial dos resultados em mapas de sobrevoo ocupa papel de destaque. Estes dispositivos permitem visualizar e localizar territorialmente as informações derivadas de cruzamentos simples e multivariados dos dados. Os dados geográficos podem ser acessados em diferentes níveis que vão desde o nível local, isto é, municípios brasileiros até o global, com informações para quase 5600 cidades e 200 países. Unidades da Federação brasileiras e respectivas capitais também são representadas. Todos os mapas vêm acompanhados de links para rankings para facilitar a comparação das estatísticas disponibilizadas. Um atributo interessante é trabalhar com projeções e aberturas populacionais por gênero e subgrupos etários, algumas indo até o limiar do século XXII. Outra é colocar todos mapas com definições, períodos e escalas comuns, permitindo comparações diretas, conforme demonstra a ilustração abaixo:

Mapa-múndi, municípios, estados e capitais – (%) Proporção de Jovens – 15/29 anos (mesma escala)

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Marcelo Neri

    Diretor do FGV Social e Fundador do Centro de Políticas Sociais (FGV Social/CPS), onde atua desde 2000. Ministra aulas no doutorado, mestrado e graduação da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV EPGE). Foi Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). É PhD em economia pela Universidade de Princeton, mestre e bacharel em economia pela PUC-Rio. Suas principais áreas de pesquisa são políticas sociais, distribuição de renda e microeconometria. Autor de livros sobre: Planejamento de Políticas Públicas; Microcrédito; Cobertura Previdenciária; Ensaios Sociais; Diversidade; Superação da Pobreza no Campo; Bolsa Família; Percepções de Políticas Públicas; Inflação e Consumo, e A Nova Classe Média (indicado ao Prêmio Jabuti).

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