Garantir igualdade salarial ainda é um desafio no mercado de trabalho brasileiro
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a remuneração recebida pelas mulheres representa, em média, 78% do rendimento dos homens, isto é, uma diferença de mais de 20%.
Embora já prevista legalmente, a igualdade salarial entre homens e mulheres ainda não é uma realidade no Brasil. Mesmo diante da garantia constitucional de igualdade entre homens e mulheres e de dispositivos na legislação trabalhista que disciplinam a isonomia salarial, na prática, ainda existe uma marcante desigualdade no mercado de trabalho brasileiro.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a remuneração recebida pelas mulheres representa, em média, 78% do rendimento dos homens, isto é, uma diferença de mais de 20%.
Diante desse cenário, em 8 de março de 2023, Dia Internacional da Mulher, o governo anunciou a apresentação de um projeto de lei (PL) para assegurar a equiparação de salários entre homens e mulheres que realizam as mesmas atividades. Trata-se do PL nº 1085/2023, já aprovado no âmbito da Câmara dos Deputados e que, atualmente, aguarda apreciação pelo Senado Federal.
O PL propõe duas grandes novidades em relação às disposições já existentes na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): (i) estabelecimento de multa correspondente a 10 vezes o valor do novo salário devido à pessoa discriminada (que será dobrada no caso de reincidência) e (ii) criação de mecanismos para conferir efetividade à lei, quais sejam: relatórios de transparência, incremento da fiscalização, criação de canais de denúncia, implementação de programas de diversidade e inclusão e fomento à capacitação.
Dentre os mecanismos enumerados acima, o PL disciplina com mais detalhes apenas o funcionamento dos relatórios de transparência: caso seja aprovado, passa a ser obrigatória a publicação semestral de relatório de transparência salarial e remuneratória pelas pessoas jurídicas de direito privado que tenham 100 ou mais empregados, sob pena de multa.
A publicação deve observar a Lei Geral de Proteção de Dados (o que, na prática, pode gerar discussões sobre como equilibrar a proteção de dados pessoais e a transparência exigida), contendo dados anonimizados que permitam a comparação entre os rendimentos de homens e mulheres, proporção de ocupação de cargos de gestão entre homens e mulheres, bem como dados sobre outras possíveis discriminações, em decorrência de raça, idade, dentre outros fatores. Caso sejam identificadas desigualdades salariais, a pessoa jurídica deverá implementar plano de ação para mitigá-las.
Merece destaque a menção a dados sobre a proporção de ocupação de altos cargos, visto que além da desigualdade salarial, as mulheres também enfrentam dificuldades para ascenderem na carreira e ocuparem postos de chefia. Trata-se do chamado “teto de vidro”, isto é, uma barreira invisível que impede ou dificulta o crescimento profissional.
A elaboração do relatório de transparência, provavelmente, terá um forte impacto inicial para muitas empresas e demais pessoas jurídicas que ainda não possuem tais informações sistematizadas, e, portanto, deverão se estruturar internamente para organizar e disponibilizar os dados solicitados. Imagina-se, contudo, que tais documentos podem proporcionar uma relevante contribuição, tanto na construção de um retrato de cada pessoa jurídica, quanto na ampliação do conhecimento sobre o mercado de trabalho brasileiro e suas desigualdades, considerando a plataforma de acesso público a ser criada para divulgação dessas informações caso o PL seja aprovado.
Por fim, o PL prevê de maneira genérica que o Poder Executivo instituirá um protocolo de fiscalização. O estabelecimento de mecanismos para garantir a efetividade da lei é essencial para que a nova norma seja verdadeiramente capaz de promover mudanças no mercado de trabalho e não figure apenas como uma proteção formal sem aplicação real. Ademais, é importante ter em mente que a desigualdade salarial é uma das manifestações de discriminação existentes no ambiente laboral, ainda marcado por outros problemas, como tratamento desigual de gestantes, seleções e dispensas discriminatórias, por exemplo. Nesse sentido, para além da igualdade salarial, também são necessárias outras políticas complementares para a promoção da igualdade de gênero nos diversos âmbitos do trabalho.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
Do mesmo autor
- 15/03/2021Ana Paula Camelo, Olívia Pasqualeto