A impotência do potencial
A energia renovável não será suficiente para suprir a demanda por eletricidade da Inteligência Artificial, dos centros de dados e das criptomoedas. Essa é a conclusão do relatório Energy 2024, da Agência Internacional de Energia (IEA), que acrescenta: até 2026, o consumo de eletricidade dessas tecnologias será comparável ao do Japão.
A incapacidade das tecnologias renováveis de sustentarem essa crescente demanda energética põe em xeque iniciativas de transição energética e de mitigação das mudanças climáticas. Isso é ruim para o mundo, mas pode ser bom para o Brasil. Com 84% de sua matriz elétrica renovável, comparado com uma média mundial de apenas 38%, o Brasil tem forte potencial para atrair empresas de IA, centros de dados e criptomoedas, alegando que é aqui que os impactos climáticos dessas tecnologias serão os menores possíveis. A lógica é que, se essas tecnologias demandarão muita eletricidade, então que elas fiquem no Brasil, onde conseguem obter essa eletricidade de forma limpa.
Assim, o Brasil tem grande potencial para se inserir entre os países que, de alguma forma, desenham a fronteira do futuro. Só há um pequeno detalhe: Potencial não significa nada.
A China descobre a pólvora, mas são os países Ibéricos que conquistam o mundo. Portugal e Espanha têm o ouro, mas a Revolução Industrial acontece na Inglaterra. O Japão não produz ferro nem a Suíça planta café, mas são os segundos maiores exportadores de carros e de café
Pouco importa, portanto, que o Brasil tenha potencial para atrair as indústrias de Inteligência Artificial, centros de dados e criptomoedas. O que importa é como o Brasil vai transformar esse potencial em realidade. Como fazer isso?
A resposta é simples, mas dolorosa: é preciso superar nossas deficiências históricas, que tantas vezes já acreditamos haver ferido de morte com a poderosa espada de nossa política pública, apenas para vê-las se reerguerem e, zumbis, abrirem os braços para nós. É preciso conferir celeridade e previsibilidade aos processos judiciais e cartoriais, e assegurar a disponibilidade de mão-de-obra qualificada e demais insumos. É preciso que se tenha confiabilidade de que os investimentos necessários serão efetivamente realizados e que a energia limpa que prometemos estará, efetivamente, disponível.
Se parece impossível, é porque é quase isso. Mas fato é que países podem sim se desenvolver, como ilustra a história da China, do Japão, dos Tigres Asiáticos, da Suécia e da Irlanda, dentre outros. Se alguma lição se depreende desses países, é que desenvolvimento não é dado: constrói-se. Mas há que se fazer o dever de casa. E com pressa.
Sim, há pressa. Os países desenvolvidos têm investido seriamente em iniciativas de transição energética, de modo que logo teremos concorrência à altura na capacidade de ofertar eletricidade limpa. É triste admitir, mas potencial perece.
O Brasil era ainda uma criança à época da revolução científica, perdeu a revolução industrial e, mais recentemente, a revolução da internet. Agora, encontra-se se diante de uma nova oportunidade de se desenvolver. O gigante precisa decidir se acorda e abraça a oportunidade, ou se continua deitado eternamente em berço esplêndido, sonhando em um dia ser desenvolvido.
Autores
Felipe Buchbinder
Professor do curso de Graduação da FGV EBAPE. Possui vivência internacional em Lyon (França), onde realizou um ano de sua graduação com bolsa da CAPES, e em Londres (Reino Unido), onde foi… ver maisFelipe Buchbinder
Professor do curso de Graduação da FGV EBAPE. Possui vivência internacional em Lyon (França), onde realizou um ano de sua graduação com bolsa da CAPES, e em Londres (Reino Unido), onde foi alfabetizado. Interessa-se, sobretudo, pelo desenvolvimento de modelos matemáticos e estatísticos aplicados à Administração, com ênfase particular às áreas de Estratégia Competitiva e Negócios Internacionais.