Comunicação

O mercado invisível: a revolução das interações automatizadas

Marcos Facó

Imagine que você está planejando uma viagem de férias para um destino exótico. Em vez de passar horas navegando em sites de companhias aéreas, hotéis e agências de turismo, você simplesmente diz ao seu agente de inteligência artificial: “Quero uma viagem para um lugar com praias tranquilas, boa gastronomia e atividades culturais, entre os dias 15 e 25 de agosto, com um orçamento de até 5 mil dólares.” Seu agente IA analisa milhares de opções em segundos, negocia diretamente com sistemas de reservas e apresenta um itinerário completo, incluindo voos, hospedagem e passeios. Você aprova a escolha, e o agente conclui a reserva para você. Durante a viagem, ele continua a sugerir atividades e até resolve problemas como atrasos em voos ou reservas de última hora.

Agora imagine outro cenário: você precisa agendar consultas médicas e exames complexos. Seu agente de IA pode entrar em contato com diferentes clínicas, avaliar opções com base em proximidade, custo e avaliações, e agendar automaticamente um itinerário que maximize eficiência. Este é o futuro mediado por agentes de IA que está transformando não apenas viagens, mas todos os aspectos da vida cotidiana.

Essa nova interação entre consumidores e sistemas inteligentes já está se tornando uma realidade. A era da navegação digital que conhecemos está chegando ao fim. Caminhamos para uma nova fase, na qual algoritmos inteligentes se tornam os principais mediadores entre consumidores e empresas. Com os avanços na inteligência artificial generativa, agentes autônomos estão cada vez mais capazes de gerenciar escolhas complexas, interagir com sistemas de oferta e concluir transações sem a necessidade de intervenção direta do ser humano. Uma revolução que impactará o mercado, desde o comportamento do consumidor até a publicidade e as plataformas digitais.

O modelo atual de navegação digital e negociação

Hoje, os consumidores interagem diretamente com websites, motores de busca e aplicativos para pesquisar e comprar produtos ou serviços. Esse modelo exige dos usuários tempo e cuidado para navegar por inúmeras opções apresentadas, cujas informações sobre elas precisam ser filtradas manualmente, demandando mais esforço para a melhor tomada de decisão, que é, por fim, fruto de uma combinação de dados objetivos e apelos emocionais. Praticamente, não há negociações, apenas escolhas entre possibilidades predefinidas de produtos, preços, formas de pagamento e entregas.

A disrupção pelos agentes de IA

Com agentes de IA generativa, o paradigma muda. Esses sistemas não apenas buscam informações de maneira mais eficiente, mas também personalizam seus resultados, com base em preferências individuais, e fazem negociações com sistemas de oferta. Imagine um consumidor que deseja encontrar um MBA. Seu agente pode:

  • Identificar as melhores opções, baseando-se em critérios objetivos (preço, duração, conteúdo) e subjetivos (reputação da instituição, formato preferido).
  • Interagir diretamente com agentes das instituições de ensino para verificar disponibilidade de vagas e condições.
  • Apresentar as opções ao consumidor, que toma a decisão final.

Os agentes de IA podem automatizar os processos de negociação, de forma que tanto compradores quanto vendedores ganhem tempo e reduzam seu esforço para conquistar seus objetivos. Essa automação é alcançada por meio de algoritmos inteligentes que simulam o comportamento humano de negociação e tomam decisões independentes com base na análise da estratégia, atitude e linguagem do oponente.

Os bots de negociação de IA podem personalizar ofertas e descontos para consumidores individuais, aprimorando a experiência do cliente ao adaptar as negociações para atender às necessidades e preferências específicas. O uso de chatbots com assistentes de voz permitem que as plataformas de comércio eletrônico possam facilitar as negociações em tempo real, ajudando os clientes a encontrar preços razoáveis e satisfazendo suas necessidades.

Embora esses agentes ofereçam muitas vantagens, eles também apresentam desafios, como possíveis preconceitos na tomada de decisão e questões éticas relacionadas a negociações automatizadas. Por isso, é fundamental garantir a confiabilidade e a justiça das negociações conduzidas por IA para manter a confiança e a equidade nas transações de comércio eletrônico.

Impactos no mercado publicitário

A inteligência artificial automatiza tarefas essenciais no marketing digital, como análise preditiva e personalização, ampliando a eficiência das estratégias de comunicação. A intermediação de agentes de IA reduz significativamente a importância da navegação tradicional e, consequentemente, do SEO (Search Engine Optimization) como o conhecemos hoje. No lugar, surge o AEO (Agent Engine Optimization), em que fornecedores otimizam seus dados e sistemas para dialogar diretamente com agentes. As principais mudanças incluem:

  • Estratégias emergentes no futuro da publicidade: em estudo recente sobre storytelling baseado em IA generativa, os pesquisadores Marko Vidrih e Shiva Mayahi defenderam que a IA generativa está redefinindo o marketing ao criar narrativas personalizadas que ressoam profundamente com as preferências individuais dos consumidores. À medida que os agentes de IA assumem o papel de mediadores, as estratégias publicitárias precisarão se transformar radicalmente.
  • Publicidade baseada em dados estruturados: A publicidade contextual mediada por IA aumenta a relevância das mensagens ao considerar fatores situacionais e preferências dos consumidores, conforme apontam estudos dos pesquisadores em ciência da computação Emil Häglund e Johanna Björklund.
Reconfiguração da experiência do consumidor

A aplicação da IA no comportamento organizacional pode transformar as interações com consumidores, aumentando a personalização e a responsividade às demandas do mercado. Consumidores não mais navegarão, mas gerenciarão preferências em seus agentes. Isso cria um ambiente de:

  • Decisão delegada: A confiança e utilidade percebida são fundamentais para a adoção de tecnologias mediadas por IA no comércio eletrônico, na visão dos pesquisadores Szabolcs Nagy e Noémi Hajdu.
  • Confiança e transparência: A confiança nos agentes será um fator decisivo para sua adoção. Em paper sobre os efeitos no marketing das recentes inovações em IA, os pesquisadores Saad Shaikh, Rajat Bendre e Sakshi Mhaske apontam que os consumidores buscarão garantias de que suas preferências são respeitadas e que não há viés comercial na priorização de opções.

Para concluir, o impacto transformador da IA exige estratégias claras para mitigar riscos como vieses e manipulações, garantindo que os benefícios sejam distribuídos de forma equitativa. Assim como Adam Smith descreveu a “mão invisível” do mercado como o mecanismo que conecta interesses individuais ao bem coletivo, os agentes de IA podem ser vistos como uma nova “mão invisível digital”. Essa nova dinâmica depende de regras claras, supervisão e alinhamento ético para garantir que o benefício coletivo prevaleça. Regulamentação adequada será crucial para assegurar que pequenas empresas e consumidores se beneficiem igualmente dessa revolução digital.

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